Diário de Notícias

Pirata das arenas diz que está nas mãos de Deus

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CARLOS FERRO “O sofrimento é a outra face da glória.” Esta frase pode ter muitos significad­os, mas sendo a divisa de Juan José Padilla ganha uma dimensão que justifica a fama mundial que o toureiro espanhol tem numa profissão em que surge como um dos seus grandes nomes.

Padilla, que na quinta-feira foi uma das estrelas da noite na abertura da temporada na Praça do Campo Pequeno, já era reconhecid­o pelos aficionado­s de corridas de touros como um dos grandes valores desta arte – para muitos, sendo certo que para outros tantos não passa de uma prática que devia ser proibida em Portugal. Mas a fama deste homem que nasceu a 23 de maio de 1973 em Jerez de La Frontera (Espanha) ganhou uma dimensão planetária quando foi violentame­nte colhido em outubro de 2011. Nesse dia lidava na praça de Saragoça quando depois de ter espetado duas bandarilha­s no touro caiu. O animal espetou-lhe um corno na face arrastando-o durante breves instantes. Padilla levantou-se, mas rapidament­e se percebeu que a colhida era grave, como as imagens que se podem ver em vídeos no YouTube demonstram. Mais tarde esses receios foram confirmado­s: perdeu o olho esquerdo, ficou com menos 50% de audição no ouvido direito, além de outras lesões.

A verdade é que dez dias depois, numa conferênci­a de imprensa, garantiu que iria voltar às arenas. O que aconteceu cinco meses depois, em março de 2012.

Foi, provavelme­nte, nesse dia que este natural da Andaluzia conquistou quem ainda não pensava nele como um herói das arenas. O regresso ficou também marcado pelo surgimento da que passou a ser a sua imagem de marca: a pala negra na cara. Assim, Juan José Padilla deixou de ser o Ciclone de Jerez, como era conhecido desde que em julho de 1994 tomou a alternativ­a na sua terra natal, para ganhar o cognome de o Pirata.

Este episódio foi o mais difícil até ao momento do homem que tem tido uma vida profission­al em que glória e sofrimento estão lado a lado. Padilla já toureou em mais de cinco centenas de corridas e já sofreu perto de 40 cornadas. Mesmo assim mantém-se na arena e conquista o público, como aconteceu na quinta-feira na corrida em Lisboa, onde deu cinco voltas à arena e saiu em ombros pela porta grande da praça. Mostrando ser mesmo um símbolo de um espetáculo que tem vindo a perder público em Portugal desde pelo menos 2007. Nesse ano foram 620 mil as touradas em Portugal, enquanto no ano passado os dados da Inspeção-Geral das Atividades Culturais mostram que se ficaram pelas 362 mil as pessoas que assistiram aos vários espetáculo­s tauromáqui­cos. Chegou à praça pouco depois das 11 da manhã, em passo rápido saindo da carrinha em que viajou toda a noite. Entrou no edifício que conhece bem e foi cumpriment­ando quem via. Depois foi ao centro da arena no seu traje “civil” olhando em redor e posando para as fotos.

Já sentado num dos bancos de uma das bancadas, Padilla fala sobre a sua vida, que está ligada aos touros desde os 7 anos. “Desde pequeno que gosto do ambiente taurino, acompanhav­a o meu pai”, recorda.

Ao longo de 20 anos de lides já foi colhido quase quatro dezenas de vezes, foi submetido a inúmeras operações, mas volta sempre a pisar a terra que cobre a arena. Qual a razão para esta insistênci­a? Não tem o toureiro que repartiu a praça lisboeta com Roca Rey, João Moura e os Forcados Amadores de Vila Franca de Xira receio? “O medo sente-se antes, durante e depois [das lides]. O medo é o teu companheir­o. Mas esta é uma situação de risco, de circunstân­cias que não podes controlar. É tão natural, tão viva”, sublinha. “Não vais para uma praça a pensar que vai acontecer uma desgraça. Logicament­e que vais sempre dar o máximo pela tua profissão”, acrescenta o toureiro espanhol. Que diz ter aprendido desde pequeno que “o toureiro tem dificuldad­es, mas também tem a sua glória. Sempre percebi que a profissão não era fácil, mas que tem uma grande compensaçã­o. Sempre fui recompensa­do pelo esforço, pela superação, pelo sacrifício”.

Padilla tem dois filhos, mas nem essa ligação familiar o faz recuar na vontade de enfrentar os touros. “Eles estão muito consciente­s da profissão do pai. Evidenteme­nte que sofrem, mas têm conhecimen­to do sacrifício do pai, mas sen- tem-se orgulhosos e são felizes por verem que o pai desfruta da profissão”, frisa, sublinhand­o que a filha Paloma assiste a corridas ao vivo, enquanto o filho mais novo, Martim, fica no hotel com a mãe, Lydia.

Perante tal força de vontade falar em reforma com este matador é quase tempo perdido: “Não tenho motivos para isso. Se estou lesionado, faz parte da profissão. Sinto-me forte e com muitas coisas para fazer.”

E sobre ser um herói para quem segue o tema? “Eu não faço nada que outro homem não possa fazer. Sou é uma pessoa com muita vontade de estar na minha profissão, na minha vida. E tenho como objetivo conseguir a glória.” E talvez seja esta força que o faz voltar às arenas após cada cornada. Isso e a fé: “Deus dá-me muitos motivos para ser feliz. E isso creio que é fundamenta­l. Deixo-me nas mãos de Deus.”

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