Portugal e Cabo Verde, países irmãos, até a resistir às dificuldades
De passagem pela ilha do Fogo, no primeiro dia oficial de visita, Marcelo Rebelo de Sousa elogiou a “resiliência” dos dois países – e, em particular, dos habitantes cabo-verdianos afetados pela erupção vulcânica de há dois anos
Nos últimos anos, em boa parte por culpa da crise económica europeia – e mundial –, muito se falou da palavra resiliência, por exemplo, para sublinhar o esforço feito pelos países do Sul – para evitar o colapso e tentar recuperar o vigor das economias – e pelos cidadãos europeus, que tiveram de recorrer a soluções como a emigração.
Em Cabo Verde, país de muitos emigrantes, a passagem de Marcelo Rebelo de Sousa, durante a manhã, por uma padaria gerida por portugueses, na ilha de Santiago, não foi inocente. Tal como também não o foi a visita do Chefe do Estado à ilha do Fogo, local onde, em cerca de duas décadas, duas erupções vulcânicas de grandes dimensões destruíram habitações, instituições e acessos – mas que, tal como quis sublinhar o Presidente da República, não destruíram os sonhos e a capacidade de resiliência das populações locais.
Se os habitantes da ilha reconstruíram as vidas após a erupção de 2014, também os portugueses se ergueram num cenário de crise económica, com o Chefe do Estado a sublinhar que olham agora para o futuro com “mais otimismo” e, na Chã das Caldeiras, num dos pontos mais altos do Fogo, foi esta uma das imagens utilizadas por Marcelo Rebelo de Sousa para celebrar a tentativa de fuga de Portugal e Cabo Verde às maiores adversidades, mas também a sintonia entre os dois países.
“As comunidades cabo-verdianas e portuguesas no mundo são assim e, quando conjugamos as nossas vontades, então a nossa resistência é a dobrar”, disse o Presidente da República, a mais de dois mil metros de altitude, e pouco depois – juntamente com o homólogo cabo-verdiano, os representantes dos grupos parlamentares portugueses e o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva – de provar o famoso vinho que, mesmo depois da tragédia, continua a ser produzido nas, ainda provisórias, instalações da Adega Cooperativa de Chã das Caldeiras.
Antes da tragédia, há dois anos, a produção, adianta Marcelo, rondava os “200 mil litros anuais”, agora, em tempo de reconstrução, os números são semelhantes – ou até mesmo mais elevados.
“Este é o retrato concreto da força deste povo que viemos agora visitar”, sublinha o Presidente, que, durante a prova, brindou a “Cabo Verde e a Portugal”, a “uma grande luta” e a quem, mesmo perdendo quase tudo, conseguiu “vencer as lavas”.
Em tom semelhante, também Jorge Carlos Fonseca, o presidente cabo-verdiano, realça aquilo que considera ser o burkan (em crioulo, o “fogo”) dos habitantes do Fogo: “É a expressão da determinação e da vontade de vencer.”
Pousada renasce na lava
Lá no alto, onde a terra negra, vulcânica – e rica – ainda ferve, Marisa de Pina, uma das habitantes, é também uma das responsáveis pela divulgação do vinho, através do turismo, e um dos exemplos elogiados pelos dois presidentes. Começou o negócio com dois estabelecimentos, hoje tem apenas um, sendo proprietária de uma pousada reconstruída nos últimos dois anos e que, antes da erupção, era já uma das mais relevantes para o turismo local.
Mais uma das histórias salientadas pelo Chefe do Estado português, que, admitindo que as imagens ao vivo “ultrapassam aquilo que tinha pensado”, garante que, na calha, podem estar apoios às populações locais, dando conta de que a parte portuguesa “pode eventualmente ter, ou não, uma palavra a dizer em termos do projeto de realojamento e relocalização” daqueles que foram atingidos pela catástrofe.
Livre circulação de pessoas
Longas viagens de automóvel podem servir para acertar pequenos detalhes sobre grandes questões e, aproveitando a sinuosa e demorada subida ao cimo da ilha do Fogo, Marcelo Rebelo de Sousa e o homólogo cabo-verdiano, Jorge Carlos Fonseca, voltaram a discutir a “mobilidade” e a questão – que tem sido discutida pelos dois governos – da livre circulação de cidadãos entre os dois países a margem da CPLP.
“Não cabe ao Presidente da República estar a dizer as ideias concretas, mas eu conheço o documento, que tem prazos diferentes e regimes diferentes, e fases diferentes para acolher maiores estadas, mais curtas estadas, circulação que se quer no futuro que seja mais ampla”, disse, falando num “sonho legítimo de Cabo Verde”.
O presidente cabo-verdiano Jorge Carlos Fonseca confirmou que falou com Marcelo Rebelo de Sousa sobre “o apoio de Portugal no processo de revisão da parceria especial Cabo Verde-União Europeia, que está em curso e consubstancia uma visão estratégica”. Cabo Verde pretende um “aprofundamento e alargamento dessa parceria especial, sem ser membro da União Europeia, naturalmente”, disse.
“As comunidades cabo-verdianas e portuguesas no mundo são assim e, quando conjugamos as nossas vontades, então a nossa resistência é a dobrar”
“Este é o retrato concreto da força deste povo que viemos agora visitar”
MARCELO REBELO DE SOUSA PRESIDENTE DA REPÚBLICA