Diário de Notícias

“Quando a ONU falha frequentem­ente o seu dever de agir coletivame­nte, há alturas em que os Estados têm de agir sós”

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SECRETÁRIO-GERAL Mandato do português tem, no geral, uma avaliação positiva. Mas há quem lhe peça mais ação e assertivid­ade Desde que assumiu funções como secretário-geral das Nações Unidas, faz hoje cem dias, António Guterres já falou várias vezes sobre a situação na Síria, apelando sempre à moderação, como aconteceu na sexta-feira, comentando o bombardeam­ento norte-americano a uma base aérea controlada pelo regime de Bashar al-Assad: “Apelo à moderação para evitar todos os atos que acrescente­m ainda mais sofrimento do povo sírio. Não há outra via para pôr fim a este conflito a não ser uma solução política.”

Mas estes pedidos de moderação foram ultrapassa­dos de forma inequívoca na semana passada pelos Estados Unidos, quando a embaixador­a norte-americana junto das Nações Unidas anunciou, após o ataque químico ordenado por Assad contra uma cidade síria, que “quando a ONU falha frequentem­ente o seu dever de agir coletivame­nte, há alturas em que os Estados têm de agir sós”. O resultado é conhecido de todos: o ataque dos EUA contra uma base aérea síria.

Um relatório do Centro Internacio­nal para Operações de Paz defende que Guterres “teve um bom começo” nos seus primeiros cem dias, mas que “não teve um grande período de lua-de-mel”. Tudo porque “as implicaçõe­s de uma presidênci­a Trump acalmaram os ânimos daqueles que esperavam um reavivar da ONU”, mas que continuam “as expectativ­as altas, talvez demasiado altas.”

Para a diretora do gabinete da Amnistia Internacio­nal na ONU, falando sobre a Síria, “mais uma vez vimos Guterres a dizer todas as coisas certas e a exigir moderação”. “Mas ainda está por ver como é que ele poderá ajudar a unir o Conselho de Segurança. Esta é a guerra que define [a futura prevenção de conflitos]. Tem de haver ação, se não num cessar-fogo, pelo menos na questão dos refugiados”, apelou, falando à Lusa, Sherine Tadros .

Na opinião desta responsáve­l, estes cem dias ficaram ainda marcados pela “completa inação” no conflito do Iémen. “O que está ele a fazer para pressionar a Arábia Saudita, a coligação [árabe] para parar esta guerra? O que está ele a fazer para mediar entre os huthis (rebeldes) e

Guterres assumiu funções a 1 de janeiro deste ano os sauditas? Não vemos esforços”, afirmou a antiga jornalista.

Mas também pela pouca assertivid­ade na questão dos colonatos israelitas em Gaza. “Em vez de apresentar um relatório escrito sobre a falta de aplicação da resolução por parte de Israel, o secretário-geral mandou um dos seus enviados fazer um update oral – sem nada escrito – aos membros do Conselho de Segurança”, criticou Tadros.

Um dos lemas de Guterres durante a sua campanha foi instituir a paridade de género dentro da ONU. Jean Krasno, que liderou a campanha pela eleição de uma mulher, acredita que “até agora, o novo secretário-geral tem respondido aos desafios do trabalho.” “Ele tem vindo a nomear mulheres para posições de topo, talvez um pouco mais devagar do que esperávamo­s, mas o progresso para a paridade de género tem sido bom”, defendeu a académica em declaraçõe­s à Lusa.

A Amnistia Internacio­nal considera também “muito positivo” o envolvimen­to de Guterres com a sociedade civil, sobretudo o seu compromiss­o “quanto à igualdade de género”. “Aqui tem sido mais do que palavras. Temos visto ação”, disse Sherine Tadros, dando como exemplo a nomeação de três mulheres para cargos de muito alto nível.

Outra das promessas foi uma reforma institucio­nal para tornar a organizaçã­o mais eficiente, e as mudanças começaram assim que tomou posse. A 4 de janeiro, o português reconfigur­ou o seu gabinete para criar um comité executivo e decidiu localizar no mesmo espaço as delegações regionais dos departamen­tos de Operações de Paz e de Assuntos Políticos.

Guterres lançou uma série de outras reformas que têm de ser aprovadas em Assembleia Geral e que incluem os sistemas de paz e segurança, de gestão, de respostas a exploração sexual e abuso e de paridade de género. Uma das propostas mais visíveis é a criação de um escritório de contraterr­orismo, liderado por um vice-secretário-geral, que concentrar­ia os esforços da ONU na luta contra o terrorismo global. ANA MEIRELES

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