Diário de Notícias

A Una Terra Che Amo. O sucesso italiano de uma fadista que “não acaba”

Acaba de ser lançado um CD triplo com álbuns de Amália inéditos em Portugal. Uma pesquisa de Frederico Santiago

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DISCO Não chega a ser estranho ouvir Amália cantar folclore italiano. Às primeiras canções de Amália em Itália – A Una Terra Che Amo a voz, as palavras e as guitarras são uma só, numa profusão de música que agora chega às lojas portuguesa­s. São três discos, inéditos por cá. Dois deles foram editados em Itália, um são gravações ao vivo registadas nos gloriosos anos 1970 da fadista – neste caso, pelo país da bota, “de ponta a ponta... só se não houvesse um teatro!...”, como diria Amália um dia, olhando para trás.

É Frederico Santiago quem, mais uma vez, volta a dar-nos a escutar Amália. Mas, como se percebe, uma Amália que não é exatamente a que esperamos, a da Casa Portuguesa ou de Cheira a Lisboa – embora, como realça o investigad­or, “ela canta pouco fado mas leva o fado a tudo”.

Os dois discos inéditos por cá – A Una Terra Che Amo (1973) e Amália in Teatro (1976) – apresentam vários temas do folclore italiano, como Ciuri Ciuri e Vitti na Crozza (tradiciona­is da Sicília) ou La Tarantella (napolitana). Não é por acaso. “Ela tinha a noção de que o fado era muita poesia e as pessoas poderiam cansar-se. Por isso cantou muito folclore para chegar aquele momento em que acontecia fado”, explica Frederico Santiago. Amália disse um dia numa entrevista, recordando o sucesso italiano, que o disco A Una Terra Che Amo foi feito em dois dias, com a intérprete a cantar em italiano e a adaptar a letra à música. “Musical como era apanhava a musicalida­de daquela língua em dois tempos, era tudo apanhado de ouvido...”

Foram salas cheias que esperaram e, depois, aplaudiram Amália Rodrigues nos anos 1970 em Itália. Não foi a estreia da cantora portuguesa em Itália (acontecera nos anos 1950) mas foi o “grande encontro” com o público italiano. “Havia anos em que dava mais de 50 concertos por ano em Itália”, conta o estudioso da obra de Amália que, no trabalho agora editado, apresenta a cronologia possível dos espetáculo­s.

Amália à chegada a Roma em 1973 “É impossível apanhar todos. As grandes salas estavam programada­s mas aconteciam outros...”

Frederico Santiago considera que o êxito da fadista em Itália foi diferente do alcançado em França nos anos 1950: “Ela ia a França num registo de vedeta que ia ao Olympia. Em Itália teve um registo popular.” Por esta altura, tinha Amália 50 anos, acabariam os microfones fixos que lhe permitiram ensaiar uma postura mais ondulante: “Amália começa a movimentar-se, e a sua esvoaçante mão esquerda a inventar dos mais belos e originais gestos alguma vez associados a um cantor”, escreve Santiago na introdução do disco.

Além dos temas tradiciona­is italianos, Amália canta também fado em italiano. Como La Casa inVia del Campo (uma versão de Vou Dar de Beber à Dor), Ay che Negra (Barco Negro) ou Coimbra. As gravações agora ao dispor do público num CD triplo foram encontrada­s nos estúdios Valentim de Carvalho, onde se mantinham no âmbito de um projeto de documentár­io realizado por Augusto Cabrita, O Mundo de Amália, que acabou por não se concretiza­r. “O primeiro projeto era editar um LP que a Amália gravou em Roma. Depois lembrei-me de que há um LP ao vivo que só saiu em Itália, só que depois apareceram as gravações ao vivo, inéditas” registadas em 1973 em Roma, Palermo, Catânia e Milhão. E assim surge este CD triplo.

Frederico Santiago, apaixonado por Amália “desde a adolescênc­ia”, dedica-se nos últimos anos a investigar a obra da fadista. Editou, por exemplo, Amália no Chiado (2014), Fado Português e Someday (2015). Outros virão.

“Ela não acaba”, diz ao DN. “O que foi editado de Amália é menos de um terço daquilo que ela nos deixou”, admite. Para exemplific­ar, conta que quando foi ao lançamento do livro de Fernando Dacosta, [Amália – A Ressurreiç­ão] levou dois inéditos, “um deles encontrado há 15 dias”. Apesar de se dedicar a esta demanda há décadas, Frederico Santiago diz que há sempre “muita emoção” quando resgata registos inéditos. “Amália é daquelas pessoas que, mesmo no que já se ouviu muitas vezes, encontramo­s sempre coisas para nos emocionar...”

O coordenado­r desta edição realça a importânci­a da cantora portuguesa no panorama internacio­nal. “Amália é planetária. Num tempo em que não havia apoios, que não havia festivais de música, não havia procura de novos talentos, ela afirmou-se”, diz. “Ninguém sabia o que era o fado lá fora.”

Em Itália toda a gente a conhecia. Talvez, alvitra, melhor do que em Portugal. “Amália teve uma carreira planetária mas [em Portugal] nunca lhe deram o estatuto que ela teve. Durante muito tempo o fadista não podia ter o estatuto que ela tem”, conclui. Amália em Itália - A Una Terra Che Amo

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