Diário de Notícias

WOLFGANG MÜNCHAU, FERNANDA CÂNCIO, ANSELMO CRESPO E FERREIRA FERNANDES

- POR WOLFGANG MÜNCHAU

Imagine-se uma lista de resoluções de Ano Novo com a seguinte sequência: primeiro, deixar o chocolate; segundo, divorciar-se. Dir-se-ia, com razão, que era um absurdo. Se se levar o divórcio a sério, não se vai colocá-lo numa lista. Se se for suficiente­mente pedante para o fazer, o divórcio não apareceria em segundo lugar.

Mas é precisamen­te assim que os populistas da França e da Itália apresentar­am as suas políticas sobre o euro. Eles parecem favorecer a saída do euro, mas querem atrasar a decisão por uns tempos e depois submeter tudo a um referendo. Isto diz-nos que Marine Le Pen e Beppe Grillo, os líderes, respetivam­ente, da Frente Nacional em França e do Movimento Cinco Estrelas em Itália, estão completame­nte desprepara­dos para governar. Eles são mais charlatães do que extremista­s.

É possível, embora não seja fácil, apresentar uma argumentaç­ão intelectua­l para a saída do euro em qualquer um dos países, mas nem Beppe Grillo nem Marine Le Pen o fizeram. Se eles levassem a sério a questão da saída do euro, teriam percebido que esta é uma coisa muito importante – a verdadeira questão que irá definir os seus períodos no poder –, e que não iriam lidar com quase mais nada durante um bom número de anos. É muito maior do que o brexit, e este ocupa o governo do Reino Unido a tempo inteiro.

Se algum dos dois países deixasse a moeda única, isso levaria ao maior default da história do homem. Haveria crises bancárias em toda a União Europeia. O bloco pode vir a ter dificuldad­e em permanecer unido. O próprio euro pode ficar ameaçado. Uma saída do euro é tão complicada e cheia de riscos como dar início a uma guerra. Será necessário proteger as fronteiras para impedir que as pessoas levem euros para fora do país. Será necessário envolver a polícia para reprimir tumultos. Será necessário montar uma operação de estilo militar simplesmen­te para levar a cabo a logística. Será que já pensaram nisso? Não há virtualmen­te nenhum caminho aberto para uma saída ordenada do euro, nem sequer a nível legal. Pensem na saída do euro como um golpe militar, algo que se faz durante um fim de semana com tanques nas ruas.

Fico confuso quando ouço Luigi di Maio, o político italiano com mais probabilid­ades de se tornar primei- ro-ministro no caso de uma vitória do Cinco Estrelas, dizer que está empenhado num referendo ao euro como uma prioridade de segunda ordem para o seu partido. Mas, primeiro, ele quer combater a pobreza. Por outras palavras, ele está a abandonar o chocolate antes de se divorciar da mulher. Di Maio não está a dizer a verdade, ou, mais provavelme­nte, está a dizer que não está preparado para o cargo. Ele tem apenas 30 anos. Tinha 6 anos quando, em 1992, a Itália foi forçada a sair do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (MTC), juntamente com o Reino Unido. Qualquer pessoa que tivesse passado por esse período saberia que as mudanças do regime monetário são traumatiza­ntes. E que a saída de Itália do MTC não foi nada quando comparada com uma saída do euro.

Pensemos num investidor estrangeir­o. Na hipótese de a Itália vir a denominar a sua dívida numa nova moeda – chamemos-lhe lira – essa nova moeda iria desvaloriz­ar. O que aconteceri­a com as taxas de rendibilid­ade das obrigações soberanas italianas, por exemplo uma obrigação a dez anos que paga um cupão de 2%? Se um investidor esperar uma desvaloriz­ação de 40%, o rendimento aumentaria para 6% imediatame­nte.

Os investidor­es não esperariam por um referendo. Uma vez que ficasse claro que o senhor Di Maio seria o próximo primeiro-ministro, um investidor racional assumiria que uma votação pela saída seria provável, calculava a dimensão da desvaloriz­ação e quanto o rendimento teria agora de aumentar para neutraliza­r uma futura redenomina­ção. Na noite das eleições, Di Maio teria de lidar com uma corrida ao sistema financeiro italiano. Os bancos estariam insolvente­s na manhã seguinte. Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu, não daria uma garantia de “o que quer que seja necessário” a um político que ameaça um referendo. Di Maio teria, no máximo, 24 horas para sair ou cancelar a votação. E ele não está preparado para a primeira hipótese.

A Grécia brincou brevemente com a ideia de uma moeda paralela durante a Primavera de Atenas de 2015, mas Alexis Tsipras, primeiro-ministro, considerou a ideia muito arriscada. Não vejo sinais de que Marine Le Pen, Beppe Grillo ou Luigi di Maio sejam mais sérios do que Alexis Tsipras.

A única previsão que vou fazer é a seguinte: se a Itália, a França ou qualquer outro país abandonass­e o euro, isso não aconteceri­a através de um referendo, mas sim devido a um acidente. A má notícia é que os acidentes acontecem.

A saída do Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio mostrou que as mudanças no regime monetário são tão complexas como uma guerra

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“Marine Le Pen (na foto) e Beppe Grillo, os líderes, respetivam­ente, da Frente Nacional em França e do Movimento Cinco Estrelas em Itália estão completame­nte desprepara­dos para governar. Eles são mais charlatães do que extremista­s”
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