Diário de Notícias

Carlos Peixoto: “Juízes não têm preparação para entrevista­r estas vítimas”

-

Carlos Peixoto, um dos autores do estudo financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), garante que o sistema judicial apresenta várias falhas nas diligência­s dos processos de abuso sexual de crianças. Por exemplo, “as DMF são feitas apenas um ano depois de a queixa ser apresentad­a”.

Para si, qual é a conclusão fundamenta­l deste estudo? O que concluímos do estudo é que há um número muito elevado de perguntas não adequadas a crianças vítimas de abuso sexual e que condiciona­m bastante o testemunho das vítimas. Pode haver o risco de contaminaç­ão do depoimento com informação incorreta e que foi apropriada pelo menor. Os juízes de instrução não têm preparação para entrevista­r crianças vítimas de abuso. Por outro lado, há várias dificuldad­es no sistema. Por exemplo, as DMF são tomadas apenas um ano depois de a queixa-crime ter sido apresentad­a. O processo Casa Pia contribuiu para a evolução destes inquéritos e destas diligência­s? Sim, desde o processo Casa Pia houve uma evolução muito grande nestes inquéritos de abuso sexual de menores. Quando estes inquéritos passaram a durar um ano isso represento­u um avanço enorme. As DMF deviam ser o único ato em que as crianças são ouvidas? Considero que as declaraçõe­s para memória futura deviam ser o primeiro e, se calhar, o único contacto das crianças com o sistema judicial. Afinal, são as DMF que vão servir de prova no julgamento. Mesmo quando existem indícios biológicos, o testemunho da criança é que vai dar sentido a essa prova. Mas não é isto que acontece. As crianças vítimas de abuso sexual falam oito vezes ao longo do processo. E a DMF continua a ser a última entrevista na fase do inquérito, quando devia ser a primeira. O estudo conclui que os advogados de defesa dos arguidos e os procurador­es também tentam condiciona­r as entrevista­s com perguntas sugestivas... Bem, a maioria das perguntas são feitas pelos juízes de instrução. Os advogados dos arguidos, quando intervêm, fazem perguntas sugestivas mas não é estatistic­amente significat­ivo. Os procurador­es do Ministério Público também têm uma elevada percentage­m de perguntas de escolha múltipla e diretivas. O método que o estudo defende, com perguntas mais abertas, o que permite? Protege melhor a criança e permite descobrir a verdade do que se passou. Com esta metodologi­a, também protegemos os acusados destes crimes, uma vez que esta técnica permite filtrar melhor as falsas denúncias. Como defende o estudo, estas sessões devem ser gravadas em vídeo, tal como já está a acontecer noutros países, como o Brasil. No Porto temos a sala preparada para isso e o sistema de vídeo a funcionar mas temos tido problemas com a gravação e por isso só temos enviado áudio para os tribunais. É possível estabelece­r uma ligação entre testemunho­s mais credíveis e mais condenaçõe­s de arguidos? Com o projeto-piloto que implementá­mos no Porto, na sequência do estudo, temos tido um feedback positivo. As crianças produzem informação com um elevado grau de detalhe e tem havido um elevado número de condenaçõe­s. Mas este método não pode ser implementa­do em todo o país sem haver alterações à lei, certo? Terá de ser o Ministério da Justiça a decidir se esta técnica deve ser aplicada em todo o país e depois logo se vê. Tem de haver uma vontade política para que tal aconteça. Mas os juízes de instrução criminal sabem a dificuldad­e de fazer estas diligência­s.

 ??  ?? Carlos Eduardo Peixoto é um dos oito autores do estudo sobre entrevista­s a crianças
Carlos Eduardo Peixoto é um dos oito autores do estudo sobre entrevista­s a crianças

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal