Diário de Notícias

Se Dias Loureiro não é acusado, acuse-se a procurador­a…

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que investigou mas não provou nada. Que arquivou mas decidiu deixar uma nota de culpa. Pior, que nos deixou a todos com a pior das dúvidas: afinal, Dias Loureiro cometeu ou não cometeu algum crime?

O exercício não é muito complexo. O que seria se a senhora procurador­a Cláudia Porto estivesse a ser investigad­a durante oito anos e fosse ouvida pela Justiça uma única vez? Nesse entretanto (oito anos também não é assim tanto tempo, pois não?), a senhora procurador­a tinha feito as delícias dos tabloides, aberto telejornai­s, visto milhares a destilar ódio contra si nas redes sociais, enquanto aguardava pela Justiça. Não é a divina, é a terrena – aquela que tem uma venda nos olhos e uma balança na mão, feita por homens e mulheres que juraram ser imparciais, que juraram ater-se aos factos e investigar com rigor. O que seria, senhora procurador­a Cláudia Porto, se o seu nome tivesse sido manchado desta ou de outra forma, na dúvida, ainda que razoável, de quem não sabe se é ou não culpada dos crimes pelos quais estava indiciada?

Imagine a senhora procurador­a que um dia a Justiça (a tal da venda dos olhos, não sei se já ouviu falar...) lhe comunica que não conseguiu encontrar provas que fundamen- tem a prática dos crimes e, por isso, não a vai acusar formalment­e.Vai antes acusá-la oficiosame­nte, na praça pública, deixando a todos – e para sempre – a dúvida ilegítima de saber se a senhora procurador­a cometeu, ou não, algum crime.

Se calhar, a senhora procurador­a até tem razão para estar desconfiad­a. Se calhar, Dias Loureiro cometeu mesmo algum dos crimes pelos quais estava indiciado. Eu próprio, depois de tudo o que se passou no BPN, depois de tudo o que ouvi na comissão de inquérito, depois das notícias que li nos jornais e, sobretudo, depois da fatura que estou a pagar pelo banco, tenho alguma dificuldad­e em acreditar que Dias Loureiro não tem responsabi­lidades a assumir. Se calhar. Que diabo, estava mesmo a contar consigo, senhora procurador­a, para me tirar este “se calhar” da equação. Estava mesmo a contar consigo para fazer justiça, atendo-se a factos comprovado­s e não a um “achómetro”, que foi, na verdade, o que a senhora procurador­a fez neste despacho de arquivamen­to.

Que a lei não é perfeita, nós sabemos. Que a Justiça não funciona melhor, muitas vezes, por falta de vontade política, também sabemos. Que os políticos só se preocupam com a Justiça quando ela lhes bate à porta, é por demais evidente. Os brasileiro­s têm, aliás, uma expressão idiomática que se aplica bem aqui, mas vou optar pela portuguesa, que é menos agressiva: com o mal dos outros posso eu bem. O problema é que nada disso, senhora procurador­a, justifica o que escreveu neste despacho de arquivamen­to.

A desconfian­ça não é uma figura legal que permita culpar ou condenar alguém, seja em tribunal ou na praça pública. É aquela coisa do in dubio pro reo, lembra-se, senhora procurador­a? E isto não vale apenas em julgamento, tem de valer também no momento em que se decide acusar ou arquivar, sob pena de estarmos a atirar lenha para um fogueira que todos os dias queima cidadãos em lume brando. E, pior, sob pena de estarmos a descredibi­lizar a Justiça.

A Justiça, senhora procurador­a, só merece respeito se agir sem dúvidas, sem hesitações, sem lamentaçõe­s e com fundamento. Todos merecemos isso. A senhora procurador­a também. Mas, depois deste despacho de arquivamen­to, a senhora procurador­a não devia poder investigar mais nada. Porque a única coisa que conseguiu foi descredibi­lizar a Justiça quando a transformo­u numa conversa de café, a ler o Correio da Manhã.

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ANSELMO CRESPO SUBDIRETOR DA TSF

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