Diário de Notícias

Fumar na praia ou bombardear Assad

-

Há quinze dias, o país, nas redes sociais e nos jornais, encheu-se de uma fúria liberal contra a suposta vontade da Comissão Europeia em proibir o fumo de cigarros nas praias e noutros espaços públicos ao ar livre. Subitament­e, uma multidão de liberais e libertário­s insurgiu-se contra as intromissõ­es dos eurocratas na nossa vida privada. Do outro lado, os antitabagi­stas militantes, mesmo os que não vão à praia, entraram na discussão animados pela expectativ­a de mais uma proibição. O festival foi por aí fora. Só faltou fazer-se um Prós e Contras. E alguém tirar uma selfie, com o Presidente da República, a fumar um SGVentil na baía de Cascais. O Jeroen Dijsselblo­em acha que gastamos tudo em copos e mulheres, oVytenis Andriukait­is não nos quer deixar fumar na praia e a ver a bola. Resumindo e concluindo, os europeus do Norte e com nomes esquisitos (Vytenis Andriukait­is é lituano e não tem um nome muito mais fácil de pronunciar) são inimigos da bonomia do Sul. A Europa, assim, não é possível.

Tudo isto é muito bonito e o arrebatame­nto pelas liberdades individuai­s que nos tomou de assalto é bem-vindo, particular­mente num país onde a regular intromissã­o do Estado na nossa vida é vista com indiferenç­a, quando não com satisfação e alegria. O problema é que o alvo foi mal escolhido. O senhor Andriukait­is tem tanto poder para proibir fumar na praia como para mandar pintar o Terreiro do Paço de amarelo às bolinhas ou a Torre dos Clérigos de verde e branco. Um dos problema da União Europeia (UE) é esse: fala-se apaixonada­mente do que não se sabe e não se discute o que de facto conta.

O comissário europeu da Saúde acha mesmo que não se deve fumar nas praias. Mas isso é lá com ele. O que ele disse, no entanto, porque apesar de tudo sabe que poderes tem e não tem, é que gostava que os Estados membros (Portugal, Espanha, Lituânia e por aí fora) usassem os instrument­os legais de que dispõem para impedir que se fume em locais públicos ao ar livre, como praias. Ao contrário dos repetidos títulos de notícias e posts nas redes sociais, ele não disse que ia proibir isso ou outra coisa qualquer. E não disse porque não pode fazê-lo.

A União Europeia tem muitos poderes que muito boa gente acha, com razão diriam os mais liberais de espírito, que não deveria ter. Mas não tem este. Ora, se discutimos apaixonada­mente uma mentira (fake news, como agora se diz), perdemos oportunida­de para discutir o que é verdadeiro. Por exemplo, se devemos evoluir para uma UE com exército próprio, como agora se sugere aqui por Bruxelas. E se esse exército servirá, um dia, para bombardear Assad ou outro tirano à nossa porta. Ou para nos defender de Moscovo. Mas, pronto, se quiserem continuamo­s a falar de cigarros.

 ??  ?? HENRIQUE BURNAY CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS
HENRIQUE BURNAY CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal