Um caso sério de (in)segurança
Portugal está a beneficiar da insegurança que se sente no Norte de África. Foi esta a justificação dada nos primeiros tempos em que vimos o turismo bater recordes, sem entender que aquilo a que assistíamos era uma nova tendência, fruto de fatores externos, sim, mas sobretudo de uma mudança na estratégia de promoção do país lá fora e da visão inovadora do então secretário de Estado sobre o setor e os caminhos para o crescimento deste.
Desde então, as notícias sucedem-se: TAP bate recordes consecutivos de passageiros. A ocupação hoteleira e o número de passageiros de cruzeiros no país cresce todos os meses. Nunca tantos estrangeiros escolheram Portugal como destino de férias. A sazonalidade já quase não existe, com turistas a chegar o ano inteiro e ao país inteiro. Cidades como Lisboa e Porto já atraem quase tantos viajantes como os tradicionais destinos de praia e golfe. A oferta turística tem mais qualidade e diversidade do que nunca.
Mas de vez em quando uma mancha negra aparece para nos cortar o barato: um argelino que escapa do aeroporto. Mais dois que fogem pela pista... E então fala-se dois ou três dias sobre serviços incompetentes, da necessidade de medidas de segurança mais eficazes e de responsabilização, até que o assunto morre e a verdadeira discussão nunca acontece. E o que devia estar a ser debatido é assunto sério.
Coloquemos as coisas nestes termos: desde 2011, só ao aeroporto de Lisboa chegaram mais 46% de estrangeiros. Nesse mesmo período, o número de inspetores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) cresceu 6%. Estamos a falar de menos de 160 agentes que controlam as chegadas por ar e por mar (a fiscalização dos cruzeiros também lhes compete), 24 horas por dia, 365 dias por ano. É claro que só uma fatia desta torrente de estrangeiros desperta sinais de alerta e obriga a cuidados especiais, mas a origem dos turistas que aqui chegam em cada vez maior número também está a mudar (Brasil, Polónia e Estados Unidos estão entre os que mais crescem, mas há muitos russos, libaneses, etc.). E a estes há que somar os 40% de passageiros que aterram em Lisboa a caminho de outros destinos – o aeroporto da capital é um verdadeiro hub de ligação a África e às Américas.
Enquanto isso, há planos para construir um novo aeroporto, há um segundo terminal a receber as companhias low cost, há planos para divergir todos os charters executivos para Tires, há um porto de cruzeiros prontinho a estrear com capacidade redobrada para permitir aportar mais e maiores navios. O Reino Unido está perto de sair da União Europeia. E em breve chegará o momento em que mesmo os cidadãos comunitários terão de ser fiscalizados. E em nenhum momento ouvimos falar da urgência em recrutar e preparar inspetores para lidar com esta nova realidade na proporção necessária – entrarão mais 90 até ao final do ano, um número que fica muito aquém do que é necessário.
A partir de determinado ponto – e atenção, esse marco já ficou para trás –, não é uma questão de tornar as filas menores, de despachar processos e imprimir rapidez aos processos de controlo. Trata-se de um problema sério de segurança, da urgência de fortalecer o número de inspetores e de lhes dar meios e condições de trabalho adequadas. Porque, a continuar tudo como está, já nem sequer faz sentido perguntarmos se Portugal pode ser um alvo; será uma questão de tempo até acontecer algo muito grave.