As falinhas mansas que Schäuble dirigiu a Mário Centeno querem fazer esquecer o que toda a gente sabe: os resultados
As palavras de Schäuble mascaram de elogio a normalização das regras europeias que contrariam cada uma das escolhas que melhorou a vida das pessoas. As regras europeias são absurdas, o que torna também absurda a celebração a que assistimos. Claro que é motivo de satisfação sempre que conseguimos libertar-nos um pouco das amarras dos tecnocratas. Mas isso não pode significar o esquecimento dos custos sociais que ainda estamos a pagar, nem tão-pouco a absolvição da falta de solidariedade europeia.
As regras impostas por Bruxelas dizem que quando há algum desequilíbrio nas contas públicas, independentemente da origem dessa situação, os cortes são o único caminho. E esses cortes atiram sempre aos serviços públicos de saúde, de educação, aos sistemas de pensões e segurança social, ao pagamento de salários ou ao investimento público. É por isso uma agenda clara: as regras europeias aproveitam-se de momentos de fragilidade dos Estados para atacar os serviços públicos. O objetivo é degradar primeiro para privatizar depois. Isso foi bem visível no período da troika, com uma redução drástica do orçamento da saúde e da educação. Continuou presente na chantagem do procedimento por défice excessivo e continuará no futuro a pesar sobre Portugal com as regras do euro impostas pelo Tratado Orçamental. Fossem bancos e as regras eram muito diferentes: veja-se que sempre existiu uma contabilização paralela do défice nacional que excluía o dinheiro despejado no sistema financeiro e nunca nenhum cêntimo foi negado por Bruxelas para salvar bancos privados com dinheiros públicos.
A mão da austeridade ainda pesa (e muito) sobre os nossos serviços públicos e esse é um dos défices da vergonha nacional. Nos hospitais portugueses, a marca do défice está bem visível na suborçamentação dos serviços e na crónica dívida apresentada. Nos centros de saúde, a marca de Bruxelas paga-se com o rateio dos exames ou com a falta de material. Nas gotas de chuva que entram em várias salas de aulas de escolas degradadas está o legado austeritário agora elogiado por Schäuble. Nos serviços públicos com falta de profissionais está o resultado da política de “saem dois, entra um” apadrinhada pela troika. Em suma, na incumprível política do défice zero está a negação do que falta em saúde e educação.
A ideia de que é possível ter uma política de esquerda que cumpra as regras europeias cai por terra com a realidade dos serviços públicos portugueses, famintos de investimento e cujos orçamentos ainda estão congelados com os cortes desde o período da troika. Esse é um dos desafios do próximo quadro orçamental: resgatar o Serviço Nacional de Saúde e a escola pública para as políticas de esquerda que se exigem. Dessa forma, mais uma vez, provaremos que as regras e as chantagens europeias podem ser vencidas com benefício para o nosso povo.