Os portugueses à procura dos segredos (e salvação) para o vidro de Murano
Um químico da unidade de investigação Vicarte está à procura de financiamento para um projeto sobre a substituição do arsénio no vidro de Murano, com a ajuda de um designer francês que se mudou no ano passado para Lisboa
PATRÍCIA JESUS, em Veneza originados nas fornalhas consumissem toda a Veneza, mas também para evitar a fuga dos segredos do vidro que tanto contribuiu para a riqueza e a fama da República. “A própria ilha está muito contaminada, o ar e o subsolo”, salienta o químico. No entanto, ambos veem com preocupação o futuro de Murano, que apesar da tradição não escapa à crise que tem arrasado os grandes centros vidreiros da Europa, como a Marinha Grande, sobretudo pelo que se pode perder em conhecimento e tradição O designer francês Emmanuel Babled (em cima) a trabalhar na fundição da Venini, em Murano, com a qual colabora há duas décadas. Uma imagem de dois copos de vidro de Murano decorados com filigrana, o da direita com e o da esquerda sem arsénio armazenados ao longe de séculos, diz Babled.
O clima de secretismo que marcou o início da produção em Murano e a rivalidade inerente à existência de centenas de vidreiros no mesmo espaço ainda hoje se mantém. “Cada vidreiro faz o seu vidro, com uma composição diferente”, diz Pires de Matos, a expressão a trair alguma impaciência para o método, ou falta dele. Para o químico, é preciso mais ciência: só percebendo a composição química do vidro, a própria estrutura, depois de todo o processo, depois do calor dos fornos, é possível começar a fazer testes para encontrar um substituto do arsénio que faça o mesmo, ou seja, que se comporte da mesma forma. O que apresentou nesta semana em Veneza é o resultado de um trabalho preliminar feito em parte com acelerador do antigo Instituto Nuclear e amostras de vidro de vidreiros de Veneza, mas tem consciência de que este será um projeto para dois ou três anos.
Babled, um designer que gosta de “incluir o trabalho e o conhecimento dos artesãos” nos seus produtos, quer seja o vidro de Murano, o mármore de Carrara ou mais recentemente a cortiça portuguesa, tomou conhecimento do projeto e achou que podia fazer a sua parte. Reconhece que está habituado a pensar no mercado e quer pôr esse conhecimento ao serviço de uma causa maior, “manter a herança cultural” da região, ajudando a encontrar financiamento, em Veneza, para avançar com este projeto.
O designer francês mostra, a título de exemplo, uma das peças exclusivas que fez para a Venini, uma das mais importantes vidreiras de Murano: a jarra Pyros é um objeto artesanal, exclusivo, de edição e circulação limitadas e com preço a condizer; é feita nos fornos daVenini, por uma equipa de sete pessoas que vão salpicando de cor o corpo transparente do objeto. “Este laranja não será possível fazer da mesma forma daqui a dois anos”, aponta.
Nos Estados Unidos, onde o cádmio já foi proibido, a solução passou por instalar “uns filtros muito potentes e caríssimos nos fornos”, explica Pires de Matos, mas estes seriam incomportáveis para as pequenas vidreiras de Murano, dedicadas à produção artesanal. Aliás, mesmo no meio da Venice Glass Week, a decorrer nesta semana, uma nova iniciativa para promover o vidro da cidade, ninguém esconde que Murano enfrenta uma das piores crises da sua história, que o número de trabalhadores está reduzido a seis centenas, quando já foram muitos milhares. Resta portanto descobrir os segredos do vidro de Murano para dar uma ajuda, conclui Pires de Matos. A jornalista viajou a convite da Venice Glass Week