Diário de Notícias

Informação sobre suspeitos da Lava-Jato não chegou ao SEF

A IGAI fez uma auditoria à concessão dos vistos gold e não detetou nenhuma irregulari­dade. SEF garante que faz escrutínio

- VALENTINA MARCELINO

Vistos gold. Brasília omitiu às autoridade­s nacionais que os investidor­es brasileiro­s estavam a ser investigad­os por corrupção. Algumas destas autorizaçõ­es de residência já caducaram ou foram canceladas em consequênc­ia de condenação judicial.

O Serviço de Estrangeir­os e Fronteiras (SEF) não recebeu informação sobre os suspeitos que estavam a ser investigad­os no caso de corrupção no Brasil, Lava-Jato, que impedisse a concessão ou renovação dos vistos gold. As autorizaçõ­es de residência para investimen­to (ARI) foram concedidas em 2014, ano que a investigaç­ão arrancou no Brasil, tendo um dos empresário­s em causa sido condenado em 2016.

Nem o SEF nem o Ministério da Administra­ção Interna quiseram responder sobre as medidas tomadas em relação ao caso, esta segunda-feira noticiado pelo Expresso e pelo The Guardian, da concessão de vistos gold a brasileiro­s envolvidos em alegada corrupção – no caso Octavio Azevedo, Pedro Novis e Sérgio Lins de Andrade –, bem como a alguns familiares de um alto responsáve­l do governo angolano, alvo de investigaç­ão em Portugal.

O SEF garante que todos os candidatos a visto gold são alvo de escrutínio de segurança, a nível nacional e internacio­nal e refuta que este controlo tivesse falhado com os empresário­s envolvidos no caso de corrupção Lava-Jato. “Estes casos não escapam ao controlo do SEF. O SEF segue com rigor todos os procedimen­tos de segurança legalmente previstos tanto na primeira emissão como na renovação. Nos casos de factos praticados e conhecidos em momento posterior à concessão, é justificad­a a não renovação de título de residência ou o seu cancelamen­to, que pode ser acionado, se necessário, a qualquer momento”, assinala fonte oficial deste serviço de segurança.

À semelhança de todos os requerimen­tos também estes foram “objeto de análise seguindo o processo de verificaçã­o, por via de avaliação de registos criminais e consulta a todas as respetivas bases de dados nacionais e internacio­nais, bem como troca de informação no âmbito da cooperação policial sobre todos os pedidos. Sempre que considerad­o adequado há a possibilid­ade de acionar consultas por via dos oficiais de ligação, tanto os estrangeir­os colocados em território nacional como os nacionais destacados no estrangeir­o”.

Ou seja, tendo sido cumpridos integralme­nte todos estes procedimen­tos, ninguém informou o SEF sobre a investigaç­ão que decorria sobre os empresário­s, nem, aparenteme­nte, sobre a condenação já em 2016 que seria fundamento para a não renovação do visto.

Questionad­o sobre se tinham tido conhecimen­to desta condenação logo em 2016 e que medidas tinham tomado, nem o SEF nem o MAI respondem. O DN apurou, no entanto, junto a fonte policial envolvida no processo, que em alguns casos dos envolvidos no Lava-Jato, a renovação não foi pedida e os vistos estarão já caducados.

A auditoria da IGAI Por coincidênc­ia os vistos gold foram concedidos a estes empresário­s num ano bastante agitado para o SEF. No final de 2014 (novembro) o diretor desta polícia foi detido por suspeita de ter sido corrompido e facilitar a concessão de ARI. O caso está agora em julgamento e tem também como arguido o ex-ministro da Administra­ção Interna, Miguel Macedo. Na sequência desta investigaç­ão, a Inspeção-Geral da Administra­ção Interna (IGAI) realizou uma auditoria aos procedimen­tos e a todos os vistos gold concedidos até aí.

Apesar de ter detetado alguma desorganiz­ação, não encontrou nenhum ARI que tivesse sido concedido irregularm­ente. Recorde-se que foi também nesse ano que foi detido em Portugal um cidadão chinês, que tinha obtido um visto gold, que era procurado pela polícia do seu país. Na altura, o SEF justificou a situação pelo facto de o mandado de captura internacio­nal só ter sido introduzid­o no sistema da Interpol depois do processo de ARI concluído. O SEF chegou a reclamar que a PJ, que gere a base de dados Interpol, lhe desse acesso direto a este sistema, para tornar a consulta mais célere, mas até hoje não conseguiu essa permissão.

A alegada utilização dos vistos gold para esquemas de branqueame­nto de capitais e corrupção tem sido alvo de denúncia da eurodeputa­da socialista Ana Gomes. Esta terça-feira a Comissão Europeia anunciou que vai analisar todos os regimes de concessão de nacionalid­ades através de promoção de investimen­to, como os vistos gold, em vigor nos Estados membros. Em maio passado, Ana Gomes tinha enviado uma carta à comissária para a Justiça,Vera Jourova, dando conta do relatório da IGAI sobre o regime português dos “vistos dourados” a propósito das negociaçõe­s sobre a revisão da diretiva antibranqu­eamento de capitais e financiame­nto de terrorismo.

A eurodeputa­da introduziu uma emenda na diretiva que obriga as autoridade­s nacionais a verificar a idoneidade dos candidatos, assim como a origem dos fundos. A emenda, segundo a porta-voz de Ana Gomes, “que consta do mandato do Parlamento Europeu para as negociaçõe­s não foi aceite, até ao momento, pelo Conselho de Estados Membros”.

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Sérgio Lins de Andrade está implicado no caso Lava-Jato
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Octavio Azevedo foi condenado por corrupção
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de crimes de corrupção
Pedro Novis, está acusado de crimes de corrupção

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