O grito de Vanessa Redgrave
anessa Redgrave, a atriz britânica oscarizada pelo filme Júlia, e Lord Dubs, judeu de Praga chegado em criança à Grã-Bretanha, deram ontem em Lisboa uma grande lição de história, aproveitando para apresentar o documentário Sea Sorrow, sobre o drama dos refugiados. Ela tem 80 anos, ele 84, portanto já viram muito.
Depois da exibição do filme, no Medeia Monumental, houve uma conversa em que além de Redgrave, agora realizadora, e de Dubs participaram o produtor Carlo Nero e Paulo Branco, o senhor cinema em Portugal. O mote foi a resistência da Europa a receber gente que foge da guerra ou da fome, boa parte crianças, algumas delas desacompanhadas. Uma resistência que se sente nos governos de toda a Europa, com raras exceções.
Redgrave falou da liderança de Angela Merkel, a chanceler que abriu portas a um milhão de refugiados, e Dubs foi ao ponto de dizer que nesta matéria “a Alemanha é um pouco a consciência da Europa”, o que lhe agrada muito, a ele, que teve de fugir há 80 anos do nazismo. Criticado foi o governo britânico, que tarda em cumprir a aceitação da quota de acolhimento de crianças refugiadas sem família, uma iniciativa que partiu da Câmara dos Lordes, nomeadamente do próprio Dubs, que aparece no filme a contar a sua experiência em vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando integrou o kindertransport.
O filme de Redgrave, uma atriz-realizadora com um passado de ativista pelos direitos humano, recorda a extinta “selva” de Calais, a travessia do Mediterrâneo em botes de borracha, os campos de acolhimento provisórios. E põe jovens a testemunhar o porquê, por exemplo, de pagar 8000 euros para vir do Afeganistão até à Europa por terra e mar (o pai e a mãe mortos a tiro, a guerra como único horizonte). Exibe ainda imagens de arquivo de Eleanor Roosevelt, embaixadora americana na ONU, a apresentar a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Tudo material para nos fazer refletir sobre a tragédia, não confundir refugiados com terroristas e, como dizem manifestantes em Londres filmados, não nos esquecer de que um dia pode acontecer-nos ou aos nossos filhos.