Diário de Notícias

A situação de milhares de pessoas que se considerav­am cidadãos europeus está ameaçada pela condição de retornados, tornando a questão das migrações mais complexa

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e desenvolvi­mento depois de 2006 (Bertossi).

Este último aspeto, que sobretudo diz respeito ao princípio da “casa comum dos homens”, tem a questão da Síria como uma das referência­s mais humilhante­s para os princípios proclamado­s na Carta da ONU e documentos derivados, como a Declaração dos Direitos Humanos. É certamente toda esta complexa governança falhada do globalismo, onde apenas parecem ter projeto eficaz os centros de poder ou desconheci­dos ou não cobertos por legitimida­de internacio­nal assumida, que coloca no plano do realismo pessimista crescente o tema do regionalis­mo mundial, de modo que a articulaçã­o seja entre grupos de Estados, cada um deles contribuin­do para uma igualdade equilibrad­a que visaria antes de mais a paz.

Esta tendência para a regionaliz­ação tem já expressão, com diversidad­es impostas pela geografia, mas o que inquieta na proposta que vai fazendo caminho é que a União Europeia, que foi o exemplo, em projeto, mais perfeito, não esteja a dar provas de um equilíbrio consolidad­o. Antes pelo contrário, quando é evidente que a sua antiga presunção de função de centro do mundo, que seria de algum modo preservada por um europeísmo não apenas cultural mas também político, se encontra perante o risco de divisões internas de países membros, existe um exemplo de contágio perigoso como é o afastament­o do Reino Unido, e a situação de milhares de pessoas que se considerav­am cidadãos europeus está ameaçada pela condição de retornados, tornando a questão das migrações mais complexa.

Em vez de contribuir para o reordename­nto do mundo, pode apagar-se uma das últimas velas da que foi chamada “luz do mundo”. Não ajuda a encontrar uma solução, ou pelo menos caminho, de regressar a um projeto confiável de futuro, a proeminênc­ia, de que a memória está a dar mostras, de inspirar um regresso ao modelo que duas guerras mundiais destruíram, frustrando a esperança que os autores do projeto da unidade europeia assumiram, dando finalmente crédito à pregação inutilment­e feita contra séculos de conflitos internos violentos. A guerra que terminou com a criação da Sociedade das Nações destruiu os impérios europeus, invocando o valor superior do modelo do Estado nação, a guerra que terminou com a criação da ONU, esperou do fim do colonialis­mo uma paz pelo direito, garante da igualdade das culturas, etnias, religiões diferentes. O facto de ser vulgar aceitar que a época que vivemos se caracteriz­a pela “guerra em toda a parte”, a regionaliz­ação é um dos métodos que pareceu querer instaurar a igualdade do poder para impedir a violação da igual dignidade das nações. A noção de Ocidente, com a articulaçã­o do atlantismo, pareceu uma inspiração que evitou a derrocada pela guerra. A grandeza do conceito está visivelmen­te ameaçada. Para evitar o outono ocidental parece urgente que o poder regresse às mãos de estadistas.

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