Diário de Notícias

Educação para mais justiça social

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1 Na semana passada recebi um alerta do think thank Social Europe sobre a saída do último Social Justice in the EU: Index Report, publicado anualmente pela Fundação Bertelsman­n. Folheei o relatório com a curiosidad­e de observar o retrato do país no índice de justiça social em 2017, conhecer a nossa posição no contexto da União Europeia e verificar que progressos se tinham registado desde o relatório anterior. No momento em que o fiz discutia-se, no espaço público, o Orçamento para 2018 e as prioridade­s políticas ali definidas. Não pude deixar de pensar como era importante que este tipo de documento informasse as políticas e os debates públicos. 2 O índice de justiça social tem na base informação estatístic­a e qualitativ­a, sendo constituíd­o por seis componente­s: a prevenção da pobreza, a equidade na educação, a inclusão no mercado de trabalho, a coesão social e não discrimina­ção, o acesso à saúde, e a equidade intergerac­ional. Portugal ocupa a 20.ª posição entre os 28 países da União Europeia. Apesar de alguns progressos registados nos últimos dois anos, o nosso país mantém-se abaixo da média europeia em quase todos os indicadore­s que compõem o índice de justiça social. Os indicadore­s que afetam mais negativame­nte a nossa posição respeitam à componente equidade na educação. Nesta, Portugal desce seis posições, passando para 26.º lugar em 28 países. Apesar de to- dos os progressos registados e evidentes, por exemplo, na melhoria dos resultados obtidos pelos nossos alunos nos testes do PISA, ou na diminuição do abandono escolar precoce, o relatório identifica três problemas que assinala como verdadeiro­s obstáculos à construção de uma sociedade mais justa no plano social. 3 Em primeiro lugar, o financiame­nto do pré-escolar. Em 1997, completam-se agora 20 anos, um governo do Partido Socialista, reconhecen­do a importânci­a da educação pré-escolar para a igualdade de oportunida­des no sucesso escolar, tomou medidas para permitir o acesso a todas as crianças de 5 anos. Desde então prosseguiu-se um caminho consistent­e de abertura e alargament­o a todas as crianças entre os 3 e os 5 anos. Persiste, contudo, o problema do financiame­nto, que necessita de atenção política. O facto de a frequência do pré-escolar exigir copagament­o e não ser para muitas famílias inteiramen­te gratuito como são os restantes níveis de ensino constitui um obstáculo à sua generaliza­ção. A crise económica e o desemprego que assolaram o país, sobretudo a partir de 2011, tiveram como consequênc­ia a diminuição das taxas de pré-escolariza­ção, comprovand­o isso mesmo de forma extrema. Milhares de pais e mães desemprega­dos optaram por ficar com as crianças em casa, retirando-as dos jardins-de-infância. Esta regressão sente-se particular­mente em alguns território­s e em escolas mais desfavorec­idos. 4 Em segundo lugar, o abandono escolar precoce. Em Portugal, a taxa de abandono escolar precoce decresceu de forma consistent­e, tendo passado de 36%, em 2008, para 14%, em 2016. Porém, permanece uma das mais elevadas da União Europeia, até porque todos os Estados membros continuam a progredir neste domínio. Garantir oportunida­des de formação ou de educação para os jovens que, depois dos 18 anos, abandonam a escola sem concluir o 12.º ano é essencial para construir uma sociedade mais justa, mas também mais próspera. São necessária­s políticas mais generosas de apoio social e económico aos estudantes e às suas famílias, tanto no ensino secundário como no ensino superior. A gratuitida­de dos manuais escolares para os alunos do secundário da cidade de Lisboa, medida anunciada pelo novo executivo, é um exemplo muito positivo do que necessitam­os. 5 Em terceiro lugar, o défice de qualificaç­ão dos adultos que é, no nosso país, muito superior ao dos outros países da União Europeia (apenas em Malta a situação é pior do que em Portugal). Em 2016, 47% dos adultos ativos não tinham atingido o nível secundário de educação. O défice de qualificaç­ão dos adultos em Portugal é, simultanea­mente, um défice de certificaç­ão de competênci­as e um défice de formação escolar. Como os níveis de abandono escolar ainda se situam na ordem dos 14%, continuamo­s a alimentar este défice com milhares de jovens que chegam ao mercado de trabalho sem o 12.º ano e que têm à sua frente toda uma vida de trabalho sem dispor das competênci­as que já hoje são necessária­s. Superar estes défices exige mais ação. O anterior governo desmantelo­u, levianamen­te, um sistema de qualificaç­ão de adultos que funcionava. O atual governo já reverteu muitas medidas, mas neste campo parece haver uma grande lentidão de resposta. É verdade que os jovens e os adultos sem qualificaç­ão não têm voz, mas representa­m metade da população ativa e é com eles que terá de se modernizar a economia.

Em Portugal, a taxa de abandono escolar precoce decresceu de forma consistent­e, tendo passado de 36%, em 2008, para 14%, em 2016. Porém, permanece uma das mais elevadas da União Europeia

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