Diário de Notícias

Ratko Mladic continua a ser herói na aldeia onde nasceu

Ex-comandante militar dos sérvios bósnios conhece hoje sentença do TPI para a ex-Jugoslávia, em Haia, onde está a ser julgado

- DADO RUVIC

A placa pregada numa das poucas ruas asfaltadas de Bozanovici tem inscrito o nome de um dos filhos favoritos da localidade: “Rua General Mladic”. Numa garagem usada como tasca improvisad­a, o seu retrato fita os homens que passam o dia à volta da garrafa de brandy.

Ratko Mladic, o antigo comandante militar dos sérvios da Bósnia, conhece hoje o veredicto do tribunal sobre os crimes contra a humanidade e genocídio de que é acusado num dos julgamento­s mais importante­s de um suspeito de crimes de guerra na Europa desde os julgamento­s de Nuremberga.

No tribunal internacio­nal onde o seu julgamento começou há cinco anos, Mladic é acusado de ter ordenado a morte de oito mil muçulmanos bósnios desarmados, adultos e jovens, após a conquista de Srebrenica, e de ser responsáve­l pelo bombardeam­ento de alvos civis durante o cerco à capital da Bósnia, Sarajevo.

Mas na sua aldeia natal, Bozanovici, onde pouco mais de duas dúzias de pessoas – na maioria, seus familiares – trabalha o solo rocha das montanhas bósnias, Mladic é, como a frase no retrato, “um herói”.

“Ele não fez essas coisas. Outros, sim. O general é um colosso, um grande homem, um homem bom”, diz Zoran Mladic, um residente, que se identifica como primo do ex-general. Mladic, capturado após década e meia em fuga, continua a ser reverencia­do no setor sérvio da Bósnia como herói e defensor da nação durante a guerra de 1992-1995, que matou mais de cem mil pessoas.

Na aldeia onde a maioria das casas mostra sinais evidentes de decadência, em cada uma há um retrato de Mladic. Não lhe poupam elogios: era um trabalhado­r incansável, visita frequente que ajudava na altura das colheitas como ceifeiro.

“Ele não matou as pessoas. Durante a guerra, chamou todos os muçulmanos de uma aldeia aqui perto e avisou-os para se irem embora”, diz Dusko Mladic, outro primo. Sentado na tasca, afirma ainda que brincou com o general em criança. “Ainda vou a essa aldeia, trabalho com os muçulmanos e não tenho qualquer problema”, diz.

Os aldeãos de Bozanovici são, na maioria, agricultor­es que cuidam de gado e vendem vegetais em Sarajevo, cidade cercada durante 43 meses pelas forças de Mladic, com bombardeam­entos diários, que privavam os residentes da capital da Bósnia de água, comida e luz.

Hoje, como sucede na maioria das áreas rurais, a juventude trocou a aldeia por Sarajevo, à procura de trabalho. Os que ficaram, mal conseguem sobreviver com pequenas pensões e com o dinheiro da venda de leite e carne. O que mais criticam é a falta de apoio das autoridade­s sérvias da Bósnia.

Todos receiam que Mladic seja condenado e seja lembrado como um criminoso de guerra. “Eu ficaria muito contente se ele morresse antes de ser conhecida a sentença”, diz um outro primo, Mile Mladic. Que foi o que sucedeu a Slobodan Milosevic, o antigo presidente da Sérvia, que morreu no quarto ano do seu julgamento, em que era acusado de genocídio. Em consequênc­ia, acabou por não haver veredicto. Se Mladic morresse agora, “erguer-lhe-íamos um monumento”. Jornalista da Reuters

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Mile Mladic, residente na aldeia onde Mladic nasceu e primo do ex-general
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Ratko Mladic, de 74 anos, é acusado de crimes de guerra e contra a humanidade

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