LEFFEST. Pedro Cabeleira viveu e filmou a juventude danada
Verão Danado é o único filme português em competição no Lisbon & Sintra Film Festival. O retrato de uma geração, filmado “com um pé dentro e um pé fora”, que começa numa aldeia e termina numa festa after hours
“Não havia nada mais cinematográfico do que a nossa forma de viver na altura.” A frase, escrita por Pedro Cabeleira, talvez seja uma boa definição da mocidade a olhar para si própria. Mesmo que esse olhar seja dirigido ao passado. O jovem realizador assina Verão Danado, o único filme português em competição no LEFFEST (Lisbon & Sintra Film Festival), com estreia marcada nas salas portuguesas no dia 30 deste mês.
Estava no Entroncamento, a sua terra natal, e onde começa o filme, quando falámos ao telefone. Partiria depois para a Argentina, onde o filme seria exibido no Festival Mar del Plata, depois de ter passado já pelo Festival de Locarno, onde recebeu uma menção especial, e pelo Festival do Rio de Janeiro. Chegará na quinta-feira, a tempo de Verão Danado passar no ecrã do cinema Nimas, em Lisboa, seguido por uma festa homónima no Lux Frágil.
Verão Danado é um olhar sobre a juventude, “com um pé dentro e um pé fora”, por um cineasta que tinha 21 anos quando começou a vislumbrar o filme, e que agora o apresenta com 24. Esse olhar mostra-nos do início ao fim Chico (Pedro Marujo), a personagem principal do filme e aquela que conduz esta espécie de odisseia até ao lugar danado onde o filme leva. “O Marujo tinha andado lá na Escola [Superior de Teatro e Cinema, onde Pedro estudou realização], estava a montar uma curta. Quando estava a construir o filme, vi a cara dele e achava que o gajo tinha uma cara forte. Parecia assim um templário, um cavaleiro medieval. Pensei: ‘Tem uma cara que aguenta um filme inteiro, se for preciso.’ O Chico depois também se foi transformando um bocadinho à imagem do Marujo”, explica o realizador.
O filme começa com Chico na aldeia dos avôs de Pedro, perto do Entroncamento. Do que ali acontece, que começa com o avô a mostrar-lhe um limoeiro, nada estava escrito, conta Pedro. E é dali que Chico sai para o mundo. Neste caso, para Lisboa, e para a noite em que a cidade o viria a iniciar. “A personagem tem de ser de fora de Lisboa para descobrir, para haver o encantamento naquelas coisas meio mundanas. Aquilo não é mundano para ele. É uma espécie de choque térmico. Ele vem da terra e acaba num after hours, uma espécie de selva... O filme é um bocado esta viagem de descoberta, destas experiências.”
Quando lhe perguntamos se quis fazer uma espécie de retrato da sua geração, Pedro concorda que aqueles são “ambientes transversais às pessoas”da sua idade, e continua: “Queria fazer um filme com uma série de personagens que tivesse como base alguns ambientes mais atmosféricos de noite, e que tivesse um lado mais stoner. No início o filme era para ser muito mais stoner, muito mais sobre as drogas e com muito mais gags de comédia. Depois acabou por ficar uma coisa mais geracional. A noite era uma coisa que me interessava muito trabalhar, nomeadamente do ponto de vista estético, porque permite que se abra portas para uma coisa mais sensorial e que resulte melhor naquele aquário que é uma sala de cinema. E queria que esses ambientes estivessem relacionados com droga, por causa da alteração de perceção nas próprias personagens.”
Tão depressa estamos numa festa intensa que se assemelha, como afirma o próprio Cabeleira, a um filme “de ficção científica, com as luzes, a música, os comportamentos das personagens, a forma como se vestem, toda aquela extravagância...”, como estamos na intimidade de um quarto iluminado com luzes de todas as cores e com Clara (Cleo Tavares), a ser rejeitada por Chico que, ou o dissimula com mestria, ou nem se chega a aperceber-se do que faz.
Com pouquíssimos meios, atores amigos e material emprestado, Pedro, que depois da escola fundou com amigos a sua produtora, a Videolotion, filmou durante 43 dias repartidos por sete meses. “E podes juntar mais 40 ou 50 de ensaios...”, diz. A cena final, um after hours filmado no Jamaica, em Lisboa, foi filmada durante “quatro dias”. “Todas as personagens que lá estão, que eram cento e tal, tinham micronarrativas, e tinham teias uns com os outros. O que estavam a fazer, como é que estavam uns com os outros... Eles andavam lá durante nove horas, coitados, todos os dias. Depois acabou por ficar muito cortado, era mesmo exaustivo.”
A aventura ao longo deste verão danado faz-se com músicos que, na sua maioria, ou pertencem a esta geração, ou criam no tempo em que esta cresce. Ouvimos Éme, as Pega Monstro, ou o DJ Nigga Fox, um dos protagonistas da festa no Lux. Porém, numa das cenas mais singulares do filme, em que Pedro dança com Maria, rapariga comprometida, é António Variações que canta Canção do Engate.
O júri da competição do festival LEFFEST, que termina no domingo, é presidido pelo cineasta David Cronenberg.