Diário de Notícias

SECA EM PORTUGAL EDP JÁ FAZ GESTÃO ENTRE PRODUÇÃO DE ENERGIA E CONSUMO DE ÁGUA

Albufeira do Zêzere está a 70% da capacidade. Produção de energia elétrica está reduzida aos mínimos definidos nos acordos ibéricos. Energia eólica, gás natural e solar compensam a redução na produção hídrica. Durante esta semana, o DN publica trabalhos s

- ANA BELA FERREIRA (texto) PAULO SPRANGER (fotos)

dias que passam, imagens como a albufeira de Castelo de Bode são autênticos oásis. Principalm­ente quando a paragem anterior foi a Escola Profission­al de Desenvolvi­mento Rural de Abrantes (EPDRA), cuja barragem para uso interno está praticamen­te sem água e a terra em volta seca sem poder receber sementes.

Antecipand­o um verão difícil e um outono também seco, a EDP começou a gerir o uso das suas albufeiras “prudenteme­nte” logo desde o início da primavera. “Sacrificam­os a exploração de energia para garantir água para o consumo humano”, explica Vítor Silva, responsáve­l pelas centrais hídricas da EDP. Em Castelo de Bode, a produção elétrica está agora reduzida ao mínimo estabeleci­do nos acordos ibéricos – três hectómetro­s cúbicos (ou seja, três milhões de metros cúbicos) por semana.

É desta albufeira do Zêzere que sai água para a EPAL, empresa de distribuiç­ão em Lisboa. Como esta há outras que sustentam a água nas torneiras de milhões de portuguese­s. Está garantido que não faltará água nas torneiras. Embora os responsáve­is da EDP não escondam a apreensão no caso de este inverno voltar a ser de seca.

“Para já estamos confortáve­is com o nível da albufeira. Estamos a 70% do armazename­nto e estamos otimistas com a gestão que estamos a fazer, tendo em vista as previsões do clima e as nossas obrigações”, sublinha Vítor Silva.

Apesar desta gestão na produção elétrica – que é 50% inferior à do ano passado –, não está comprometi­do o consumo. “A EDP tem um portefólio diversific­ado de produção de energia e por isso o consumo nunca estará em causa. Compensamo­s a redução da hídrica com a energia eólica, as centrais de gás natural e a energia solar. Não estamos em risco de produção de energia elétrica”, garante Vítor Silva.

Em anos normais, a central estaria a produzir energia de acordo com a procura do mercado ibérico, o que representa­va “mais ou menos o dobro do que produzimos agora”. Foi este racionamen­to na energia que permitiu poupar água na albufeira (uma das maiores do país), fazendo que esteja com menos oito metros do que tinha no ano passado por esta altura. Costuma estar a 119 metros de altura, agora está nos 111,03. Esta gestão da utilização das albufeiras da EDP é feita em articulaçã­o com a Agência Portuguesa do Ambiente (APA).

Para o responsáve­l das centrais hídricas, “esta situação de seca mostra que as albufeiras são muito importante­s para gerir estas crises”. Depois de no ano passado ter sido um ano de seca, se este inverno continuar com pouca chuva, começa a ser uma situação preocupant­e.

Além da redução na produção de energia, também o uso para regadio foi suspenso – o que costuma acontecer só no verão, mas neste ano foi antecipado para a primavera. “Semear em pó, à espera que chova” A rega dos terrenos agrícolas é o grande drama para os agricultor­es dos terrenos próximos da albufeira de Castelo de Bode. A falta de água que, por exemplo na EPDRA, impede a rega desde junho contrasta com a albufeira e o verde que a rodeia ali a poucos quilómetro­s.

A Escola Profission­al de Abrantes junta ainda ao árido da seca vestígios dos incêndios, que não pouparam vinhas, cedros e uma estufa. Ontem, os alunos do curso de Produção Agrária andavam a semear “uma mistura de ervas forrageira­s para os animais”. “Andamos a semear em pó, à espera que chova. Estamos a assumir este risco todo porque há previsões de chuva para estes dias, mas se não chover não vamos ter retorno”, explica o diretor da escola, João Quinas.

Em maio, já ficou por plantar a forragem de regadio (a luzerna) numa área de três hectares, o que impede os animais da escola de serem alimentado­s por uma forragem verde. “Compramos fenos e rações. Já assumimos uma despesa de 14 mil euros em feno, que se não fosse a seca estaríamos a produzir.”

O que permitiria regar todos os terrenos e manter as colheitas é a barragem de aproveitam­ento da água da chuva que está na propriedad­e de 64 hectares. Neste momento, está pratiNos

camente seca, ninguém diria que chega a armazenar 500 mil metros cúbicos de água, que aqui se faz canoagem e pesca. “Os peixes devem estar todos encostados na parte mais funda, que tem para aí um metro de altura agora.” João Quinas mostra em volta como os terrenos estão à espera de água, desesperad­amente. Fala dentro da bacia da barragem, onde gostaria que estivesse água, que naquele ponto, de onde fala, seria superior à sua altura.

“Temos dois furos, um para o abeberamen­to dos animais e outro para a rede da escola, casas de banho e bares”, indica. A rega dos pomares, vinhas e olival (cerca de 18 hectares no total) fica à margem deste consumo. “Deixámos de regar em junho os pomares e a vinha e reduzimos a rega do olival intensivo. Em vez de regar duas vezes por semana, passámos a regar uma vez de quinze em quinze dias.” Consequênc­ia, a produção é bastante inferior ao esperado. A prioridade passou a ser que “as árvores não morressem, mas a produção ficou afetada”.

João Quinas acredita que a solução terá de passar por escolher plantas mais resistente­s aos climas mais secos. “Há dois anos que não chove de jeito, as provisões de palha já se esgotaram e não foi possível semear para este ano”, acrescenta.

A situação de seca inspirou já os alunos da escola a lançar um campo de ensaio para testar forragens de mistura com resistênci­a a períodos de seca. É inevitável “aprender a gerir a água de outra maneira”, considera João Quinas, acrescenta­ndo: “Temos sido uns sortudos com chuva no inverno e sol no verão. E agora estamos perante o segundo outono em que não chove.”

Na escola têm feito também algum uso da tecnologia disponível para evitar o desperdíci­o de água. “Fazemos a rega gota a gota no olival e instalámos caudalímet­ros para medir a água e qual o mínimo para que uma planta aguente.”

Nem assim foi possível manter os pastos verdes. Os cavalos estão num terreno completame­nte árido, onde não há vestígios de verde. O castanho da sua pelagem confunde-se com o castanho do solo e do feno que comem. As cabras e as ovelhas deveriam andar no pastoreio livre, mas em vez disso, em pleno novembro, estão trancadas e confinadas a rações e fenos. “Não dá para ser de outra maneira.” Os próprios animais abrigam-se do sol, como se estivéssem­os em pleno verão. O único ponto verde da escola é um prado, onde os cavalos correm, mas nem este verde convence. “Está atrofiado”, explica o diretor da escola profission­al que tem 240 alunos do ensino secundário.

A escola prepara-se para aumentar em cinco metros a capacidade de armazename­nto da barragem, para aproveitar mais água, porque “os períodos de chuva são cada vez menos, mas mais intensos”. Mas para isso tem de chover e não pode ser só um dia. “A terra parece farinha de tão seca.”

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Barragem de Castelo de Bode, uma das maiores do país (superada pelo Alqueva e igual à do Baixo Sabor), está só a produzir a energia mínima contratual­izada. É daqui a água que chega a Lisboa
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de Abrantes não se vê água. A terra está seca e sem poder ser semeada
Na barragem da Escola Profission­al de Desenvolvi­mento Rural de Abrantes não se vê água. A terra está seca e sem poder ser semeada
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Na Escola Agrícola de Abrantes semeia-se forragens para o inverno, a contar que a chuva caia nos próximos dias. Regas estão suspensas desde junho
 ??  ?? Vítor Silva, das centrais hídricas da EDP, garante que a empresa está a garantir “cautelosam­ente” as albufeiras para que não falte água nas torneiras
Vítor Silva, das centrais hídricas da EDP, garante que a empresa está a garantir “cautelosam­ente” as albufeiras para que não falte água nas torneiras

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