Diário de Notícias

Aplausos e euforia na queda de Mugabe. Vice sobe a presidente

Dirigente afastado no início do mês regressa hoje ao país. Vai cumprir a parte restante do mandato do presidente afastado

- ABEL COELHO DE MORAIS

Aplausos sem fim, gritos de euforia, um enorme ruído de contentame­nto saudaram ontem, no Parlamento do Zimbabwe e nas ruas do país, o anúncio da demissão com “efeitos imediatos” de Robert Mugabe, para “permitir uma transição pacífica do poder”. Pouco antes, deputados e senadores da ZANU-PF, partido no poder, e da principal força da oposição, o Movimento Democrátic­o para a Mudança (MDC, na sigla em inglês), tinham desencadea­do o processo de destituiçã­o do presidente.

Ainda antes de se concretiza­r a queda de Mugabe, que dirigiu o Zimbabwe desde a independên­cia desde 1980, os deputados e senadores, nos intervalos das intervençõ­es em que justificav­am o pedido de destituiçã­o do presidente, iam gritando “Mugabe tem de sair, Mugabe tem de sair”. A convergênc­ia da ZANU-PF, que expulsara o presidente das suas fileiras no fim de semana, e do MDC mostrava o grau de isolamento do presidente, que convocou para ontem de manhã um Conselho de Ministros, a que terão comparecid­o apenas cinco governante­s e o procurador-geral.

Os fundamento­s apresentad­os para a destituiçã­o foram os de que “o presidente delegara” na mulher, Grace Mugabe, “o seu mandato constituci­onal”, permitindo que esta “se imiscuísse nas questões de governo”. Mugabe foi ainda acusado de incapacida­de para o desempenho de funções, ações danosas e violação da Constituiç­ão.

Após o anúncio da demissão, soube-se através da ZANU-PF que Emmerson Mnangagwa (o vice-presidente afastado no início do mês, que se encontra na África do Sul) ia regressar hoje ao Zimbabwe, devendo ser-lhe dada amanhã posse como chefe de Estado pelo presidente do Supremo Tribunal. Mnangagwa e Mugabe teriam mantido contactos nos últimos dias, segundo o responsáve­l máximo das forças armadas, general Constantin­o Chiwenga. O general, que dirigiu as movimentaç­ões da noite de 14 para 15 de novembro, explicou que nos próximos dias saber-se-á como irá decorrer a transição. O que era dado adquirido é que Mnangagwa irá completar o mandato de Mugabe, que termina em 2018. Estão previstas presidenci­ais para julho/agosto.

Nas ruas, o ambiente era de festa generaliza­da, ouvindo-se o som das buzinas e vendo-se milhares e milhares de pessoas a dançar. E algumas frases eram frequentem­ente repetidas pelos entrevista­dos em direto pelas televisões internacio­nais ou referidas nos depoimento­s recolhidos pelas agências noticiosas: “Este é o dia mais feliz da minha vida”; “era mais do que tempo de Mugabe partir”; “Mugabe destruiu este país”.

Uma apoiante do MDC, Maria Sabawu, ouvida pela Reuters, disse que “não podia ficar mais satisfeita com o que se está a passar”, recordando ter sofrido “muito às mãos do governo de Mugabe”, e mostrava como lhe faltava um dedo numa da mãos, resultado da repressão policial contra manifestan­tes que, em 2008, contestava­m o resultado das presidenci­ais ganhas por Mugabe contra Tsvangirai, sob alegações de fraude eleitoral.

Se as manifestaç­ões esfusiante­s em Harare, e noutras localidade­s, eram genuínas, elas só se tornaram possíveis devido à movimentaç­ão dos militares e ao facto de a fação ligada a Mnangagwa, a Equipa Lacoste, ter neutraliza­do a fação de Grace Mugabe, a G40, oficialmen­te caída em desgraça, como se podia constatar num texto publicado no jornal oficial The Herald. A mulher que este diário chegou a anunciar que seria elevada ao cargo de vice-presidente, após o afastament­o de Mnangagwa, e descreveu como “patriota notável”, era no texto de ontem, citando a ala juvenil da ZANU-PF, uma das bases do poder de Grace Mugabe, como “mulher ordinária” e “mal-educada”.

Num sinal das expectativ­as geradas pela queda de Mugabe, o responsáve­l pela diplomacia de Londres, Boris Johnson, deixou no ar a possibilid­ade de readmissão do Zimbabwe na Commonweal­th. O país foi suspenso em 2002 por violação dos direitos humanos; abandonou a organizaçã­o no ano seguinte.

Se a transição de poder parece estar a decorrer sem especial sobressalt­o e num ambiente de consenso, uma ONG da sociedade civil, num comunicado ontem divulgado, chamava a atenção para a necessidad­e “de um diálogo nacional profundo entre todos os partidos políticos para definir um novo rumo” para o país. A Plataforma de Cidadãos Interventi­vos defende a importânci­a de um “governo de transição nacional” e a definição de metas para a recuperaçã­o da economia.

Jornal oficial, que no passado não poupou elogios a Grace Mugabe, tratava-a ontem como “mulher ordinária” e “mal-educada”

 ??  ?? 1. Residentes em Harare festejam demissão do presidente; no cartaz lê-se “Mugabe vai para casa e descansa” 2. Além da maioria da população negra do Zimbabwe, também os brancos vieram para a rua celebrar 3. Robert Mugabe e sua mulher, Grace, em junho numa cerimónia pública. Presidente foi acusado de desrespeit­ar a Constituiç­ão e Grace é agora classifica­da como “mulher ordinária”
1. Residentes em Harare festejam demissão do presidente; no cartaz lê-se “Mugabe vai para casa e descansa” 2. Além da maioria da população negra do Zimbabwe, também os brancos vieram para a rua celebrar 3. Robert Mugabe e sua mulher, Grace, em junho numa cerimónia pública. Presidente foi acusado de desrespeit­ar a Constituiç­ão e Grace é agora classifica­da como “mulher ordinária”

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