Centeno duplica descativações ao abrigo da reserva orçamental
Libertação de verbas dos incêndios aprovadas em julho e setembro ainda não aconteceu. Dotação provisional está quase intacta
LUÍS REIS RIBEIRO Uma das grandes rubricas das cativações, a reserva orçamental, registou até outubro deste ano uma forte subida nos valores descativados, que mais do que duplicaram, mostram dados fornecidos pelas Finanças à Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO).
Ao longo deste ano, o governo tem sido pressionado pelos partidos da esquerda que apoiam o PS no Parlamento por causa do valor considerado excessivo das cativações – mas que ajudaram muito a reduzir do défice de 2016. PCP e BE criticaram, em especial, o “poder discricionário” do ministro das Finanças que, através desses instrumentos, pode travar despesa com funções básicas do Estado e limitar a ação dos vários ministérios.
Mas os dados agora conhecidos mostram que Centeno está a dar sinais de algum relaxamento numa das rubricas das cativações.
Os cativos iniciais de 2017 somaram 1881 milhões de euros, segundo o gabinete do ministro. Esta verba está dividida em três categorias: a reserva orçamental, que é “um subconjunto dos cativos totais e corresponde a uma percentagem do orçamento de cada serviço, inserida no agrupamento outras despesas correntes”; as cativações que incidem regularmente sobre a aquisição de bens e serviços; e as cativações sobre custos com projetos não cofinanciados.
No caso da reserva orçamental, o relaxamento é significativo. Dos 433,6 milhões de euros inscritos no orçamento (quase um quarto dos cativos iniciais totais), foram já libertados 183,3 milhões, cerca de 42%, até ao final de outubro. Estes valores são mais do dobro face a igual período de 2016.
“A reserva orçamental constitui uma cativação de um montante específico nos programas orçamentais”, e este travão não se aplica às “entidades pertencentes ao Serviço Nacional de Saúde e do Ensino Superior”, que estão “excecionadas”. A reserva orçamental, ou reserva para contingências várias, é uma almofada de segurança orçamental, uma rubrica que está in- Utilização da reserva dispara, mas dotação provisional está na mesma, apesar dos fogos cluída no consumo intermédio e pode ser reafetada para pagar coisas tão distintas como aquisições de bens e serviços, desvios nos salários ou indemnizações no âmbito das parcerias público-privadas.
O governo refere-se a este tipo de cativações como “margens de contingência” e diz que “são um instrumento de gestão orçamental, visando acorrer a necessidades emergentes da execução orçamental corrente, garantido simultaneamente o cumprimento dos objetivos de consolidação”.
Bem diferente é a situação da dotação provisional. Embora não seja classificada como cativação, “corresponde à dotação orçamental que é inscrita num capítulo específico do orçamento de despesa das Finanças e que constitui uma provisão para fazer face a despesas não previstas e inadiáveis”.
É com este dinheiro que o governo se propôs, a 6 de julho, financiar algumas medidas das câmaras e acudir às regiões afetadas pelos incêndios. Para tal, abriu “candidaturas ao Fundo de Emergência Municipal” com o objetivo de pagar os “danos” nos concelhos mais afetados de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos, Góis, Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Penela e Sertã. A 7 de setembro, alargou os apoios a 20 autarquias limítrofes.
Em causa está “a recuperação de infraestruturas e equipamentos das autarquias que sejam considerados essenciais à vida das populações, nomeadamente nos domínios do abastecimento de água, estradas municipais e arruamentos urbanos, sinalética e segurança rodoviária ou equipamentos municipais de lazer e turismo”.
Segundo o gabinete do ministro adjunto, os concelhos mais duramente afetados pelos incêndios já pediram mais de 17,2 milhões de euros, verba que será paga através do tal Fundo de Emergência Municipal e financiada com “recurso à dotação provisional” controlada por Mário Centeno.
Até final de outubro não saiu qualquer dinheiro. Os processos ainda decorrem. Da dotação provisional só foram libertados 3 milhões de euros (dos 535 milhões disponíveis), mas para “reforço do orçamento da Direção-Geral do Património Cultural”, explica o CFP. “No decurso do ano, esta dotação será reafetada em função das necessidades de financiamento que forem sendo apuradas.”