Diário de Notícias

RODA GIGANTE KATE WINSLET BRILHA NA NOVA FÁBULA MORAL DE WOODY ALLEN

Uma história de amor e desamor vivida nos anos 1950 – com destaque para mais uma admirável interpreta­ção de Kate Winslet. O novo filme de Woody Allen chega hoje às salas nacionais

- JOÃO LOPES

O homem, convenhamo­s, tem direito a ser nostálgico. Aos 82 anos é uma verdadeira instituiçã­o

Nestes dias de muitos efeitos especiais e clubes de fãs, quem é que ainda se lembra dos grandes filmes dramáticos, com diálogos saborosame­nte teatrais, que Hollywood fez nos anos 1950/1960? Ou se quisermos sermos mais precisos, porventura mais cruéis: quem conhece (e, já agora, admira) o génio da escrita de Tennessee Williams? Enfim, não desesperem­os. Há, pelo menos, uma pessoa que não esqueceu tudo isso. Chama-se Woody Allen e tem um novo filme, Roda Gigante (estreia hoje), capaz de relançar, com fervor e emoção, a prodigiosa herança dessa idade de ouro do cinema americano.

O homem, convenhamo­s, tem direito a ser nostálgico. Aos 82 anos (celebrados no dia 1 de dezembro), Woody Allen é uma verdadeira instituiçã­o no interior da produção artística made in USA, mantendo o admirável ritmo de um filme por ano. A par de outros velhos de admirável juventude criativa (Clint Eastwood, Martin Scorsese...), ele mantém-se fiel a um cinema que nasce da complexida­de humana das personagen­s, não da ostentação dos meios técnicos. Nesse domínio, aliás, Roda Gigante distingue-se também por mais uma notável contribuiç­ão de Vittorio Storaro, diretor de fotografia que sabe servir os propósitos dramáticos de um filme e que, aliás, já tinha sido responsáve­l pelas imagens do anterior Café Society (e também do próximo, A Rainy Day in NewYork, a estrear em 2018).

A nostalgia passa pelo próprio ambiente em que tudo acontece. Revisitamo­s, assim, as cores festivas do parque de diversões de Coney Island, algures na década de 1950, com um vigilante da praia, Mickey, numa composição de Justin Timberlake, a emergir como narrador dos dramas em que se vai envolver a personagem de Ginny, interpreta­da pela admirável KateWinsle­t (óbvia candidata a mais uma nomeação para um Óscar). Tudo se desencadei­a com a chegada de Carolina ( Juno Temple), filha do marido de Ginny, Humpty ( Jim Belushi), precisamen­te o proprietár­io da roda gigante. Digamos, para simplifica­r, que a relação secreta de Mickey e Ginny não facilita o equilíbrio conjugal; além do mais, Carolina chega com alguns assuntos por resolver com o seu marido mafioso... A herança do teatro Estamos perante a herança dos grandes textos do teatro americano e, mais concretame­nte, das adaptações cinematogr­áficas desses textos. Para nos ficarmos por duas referência­s emblemátic­as, citemos Um Elétrico Chamado Desejo (1951), de Elia Kazan, e Quem Tem Medo de Virginia Woolf? (1966), de Mike Nichols, adaptados, respetivam­ente, de Tennessee Williams e Edward Albee.

E não apenas, entenda-se, pela excelência dos diálogos. De forma discreta, dir-se-ia metódica,Woody Allen vai introduzin­do um leque de inquietaçõ­es que, de início, não são estranhas a uma paradoxal e envolvente ironia. Dir-se-ia que as personagen­s, a começar pelo enigmático Mickey que Timberlake interpreta num misto de simpatia e frieza, vivem no labirinto de uma odisseia moral que, em última instância, vai questionar tudo e todos.

Woody Allen reencontra, assim, o fôlego das suas mais elaboradas, e também mais fascinante­s, fábulas morais. Tal como em Ana e as Suas Irmãs (1986), Crimes e Escapadela­s (1989) ou Match Point (2005), a pulsão amorosa, ideal e idealizada, pode ser cúmplice da mais letal indiferenç­a afetiva, do mesmo modo que a bondade vive lado a lado com a crueldade. O movimento desta Roda Gigante confunde-se, afinal, com as contradiçõ­es do género humano – por isso, o espectador vai descobrir que a fábula é também sobre o seu próprio olhar.

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 ??  ?? Um parque de diversões e as contradiçõ­es do género humano... Kate Winslet brilha e caminha para mais uma nomeação para um Óscar
Um parque de diversões e as contradiçõ­es do género humano... Kate Winslet brilha e caminha para mais uma nomeação para um Óscar

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