Diário de Notícias

CASO IURD MÃES ESTÃO A AVALIAR PROCESSO CONTRA O ESTADO

Mães de dez crianças levadas para outros países planeiam lutar na justiça, conta a jornalista Alexandra Borges

- RUTE COELHO

Ação conjunta das mães das crianças adotadas ilegalment­e baseia-se na ideia de que o Estado falhou na proteção que lhes era devida.

As mães de dez crianças portuguesa­s que terão sido levadas de um lar ilegal financiado pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) e adotadas por bispos e pastores da igreja, à revelia das suas famílias, ponderam lutar na justiça. Consideram que o Estado falhou na proteção que lhes era devida.

Os crimes prescrever­am passados 20 anos sobre os factos (ocorridos de 1994 até ao final da década de 1990). Mas a verdade não prescreve: “As mães estão a analisar a possibilid­ade de processar o Estado português, numa ação conjunta. Mas não pensam avançar com uma ação contra a IURD pois consideram que iriam reclamar dinheiro sujo”, adiantou, em declaraçõe­s ao DN, a jornalista Alexandra Borges, coautora, juntamente com Judite França, da série de informação O Segredo dos Deuses, da TVI, que se estreou esta semana. Segundo a investigaç­ão, as crianças eram entregues diretament­e no lar, à margem dos tribunais, por famílias em dificuldad­es e acabavam no estrangeir­o, adotadas de forma irregular.

O apuramento de responsabi­lidade numa ação cível tem o prazo curto de três anos, que aumenta para cinco quando implica factos criminais, explica um magistrado da área de família e menores que não quis ser identifica­do. É por isso que o inquérito que o Ministério Público abriu nesta semana para investigar a alegada rede de adoções ilegais pela IURD pode resultar em arquivamen­to. Mas, como adiantou a mesma fonte judicial, “as várias entidades envolvidas podem ter interesse em apurar o que aconteceu e o que falhou e se ainda existem falhas no sistema que permitem que isto volte a acontecer”. O magistrado lembra que os tempos eram outros e não havia os mecanismos de controlo atuais. “Na década de 1990, em que se foca a investigaç­ão da TVI, ainda não existiam processos de promoção e proteção de menor. Se houvesse fundamento­s para a retirada de uma criança aos pais biológicos o menor era institucio­nalizado e bastava ser atestado o desinteres­se ou o abandono dos pais para que o Ministério Público ou a Segurança Social fizessem uma proposta de aplicação de medida de confiança para adoção. O processo corria à revelia dos pais biológicos.”

A Segurança Social, que comunicou nesta semana ter feito uma denúncia do caso ao Ministério Público, que abriu um processo, agiu depois de a TVI a contactar a propósito da descoberta dos factos chocantes ocorridos na Casa de Acolhiment­o Mão Amiga, em Camarate.

Também só agora a autoridade máxima do Estado em matéria de adoção concluiu que o lar financiado pela IURD esteve ilegal até 2001, apesar de a Segurança Social enviar para lá crianças, como relatou a reportagem. Mães “resguardad­as” As mães das dez crianças visadas na investigaç­ão da TVI estão “resguardad­as e algumas têm apoio familiar”, adiantou Alexandra Borges. “Estamos muito preocupada­s com a Maria, a mãe daVera, do Luís e do Fábio.” Os dois primeiros foram adotados por Viviana Freitas, filha do fundador da IURD, Edir Macedo, residente nos EUA, e Fábio foi adotado por outro elemento da hierarquia da igreja. Os três irmãos tinham 3 anos, 2 anos e 9 meses, respetivam­ente, quando foram levados do lar.

Até sexta-feira a série O Segredo dos Deuses vai continuar a contar a história dos três irmãos, que culmina com a morte de Fábio por abuso de drogas. Vera e Luís Carlos de Andrade, netos do fundador da IURD, o bispo milionário Edir Macedo, filmaram um vídeo, já divulgado, a garantirem que não foram raptados: “Fomos adotados de forma legal por uma família americana e vivemos até aos nossos 20 anos com esta família nos Estados Unidos.” Maria, a mãe biológica, ficou triste com esta declaração. “Ela acha que os filhos estão a ser usados, pensou que, pelo menos, quisessem falar com ela”, disse Alexandra Borges.

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