Aplausos para May em Bruxelas à espera de melhores dias... ou piores
União Europeia. Houve acordo entre os 27 e Londres para a segunda fase das negociações do brexit. Mas o “trabalho mais duro” ainda está para vir, avisa Angela Merkel. Donald Tusk fala em contactos exploratórios para pós-brexit
O objetivo é concluir até outubro de 2018 um tratado a definir os termos de saída do Reino Unido da União Europeia (UE), que deve suceder, como previsto, a 29 de março de 2019, assegurou ontem a chefe do governo britânico, Theresa May. Para já, Londres e a UE acordaram passar à segunda etapa das negociações sobre o período de “transição e as relações futuras”.
A decisão, tomada no primeiro dia do Conselho Europeu, na quinta-feira em Bruxelas, foi sublinhada ao jantar por uma salva de palmas para a governante britânica. Falando ontem na sua residência em Berkshire, no Sul de Inglaterra, May declarou-se convicta de que “estamos no caminho de conseguirmos um brexit que torne a Grã-Bretanha próspera, forte e segura”.
O comunicado do Conselho Europeu nota ter ficado claro que “o Reino Unido continuará a participar na união aduaneira e no mercado único” no período de transição, devendo assim “guiar-se pela política comercial da UE, aplicar as tarifas aduaneiras da UE e cobrar os direitos aduaneiros da UE, e garantir que todos os controlos da UE relativos a países terceiros sejam efetuados nas suas fronteiras”.
O comunicado sublinha ainda que, findo o período de transição finda também a participação do Reino Unido na união aduaneira e no mercado único, sendo então necessário estabelecer novos mecanismos “em matéria de comércio e de cooperação económica”. Neste ponto, falando ontem em Bruxelas, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, referiu que as formas de relacionamento futuro começarão a ser analisadas em “contactos exploratórios” a curto prazo. Sob uma condição prévia: Londres tem de tornar mais claro qual o tipo de relação a que aspira no futuro.
Mas é claro que não haverá qualquer negociação formal antes da saída do Reino Unido em março de 2019. E não será fácil, como disse Angela Merkel, numa conferência de imprensa conjunta com o presidente francês, Emmanuel Macron, no final dos trabalhos. A segunda fase das negociações, disse a chan- celer alemã, “vai exigir ainda trabalho mais duro – e isso ficou claro [na quinta-feira] – do que aquele feito até agora”. E cada tema será mais difícil do que outro. O chanceler austríaco, Christian Kern, deu ontem o exemplo da questão da fronteira irlandesa. “Não poderá haver qualquer controlo fronteiriço entre a Irlanda e a Irlanda do Norte nem entre esta e o Reino Unido, mas pode haver entre o Reino Unido e a UE”, sendo que a Irlanda é Estado membro da UE e a Irlanda do Norte integra o Reino Unido. Kern concluiu dizendo que “qualquer aluno da primária vê que há aqui um quebra-cabeças por resolver”.
Para o primeiro-ministro de um dos países envolvidos na questão das fronteiras, o irlandês Leo Varadkar, é evidente que existem “opiniões muito divergentes”, mesmo sobre o período de transição em que Londres continua a beneficiar das vantagens de ser membro da UE, ainda que com menor peso político em Bruxelas. Tema que, aliado à natureza da futura relação UE-Reino Unido não deixará de causar fricções no governo e no partido de May. Ambos estão divididos, com o primeiro numa posição enfraquecida após as legislativas de junho, em que os conservadores recuaram eleitoralmente, sublinhando ontem a Reuters que as principais figuras do executivo de May têm visões distintas sobre o relacionamento com a UE após 2019, da questão do mercado único à imigração e às leis europeias. Sem esquecer que, após uma votação na quarta-feira no Parlamento britânico, este passou a ter a palavra final no acordo do brexit.
Distintas visões que se aplicam também aos 27, e que não deixarão de se refletir nas negociações. Desde logo, nas questões comerciais com países com importantes relações económicas com o Reino Unido a verem afetadas as suas trocas devido às novas regras. Segundo Michel Barnier, o negociador da UE, qualquer acordo comercial não estará fechado antes de janeiro de 2021.
Mas houve mais do que brexit no Conselho Europeu ontem findo em Bruxelas. Além dos Acordos de Dublin e da questão das quotas de refugiados e migrantes a serem acolhidos por cada Estado membro, reconhecendo Donald Tusk que nesta última questão continua “difícil” qualquer acordo, foi abordada a reforma da zona euro, com aquele a esclarecer ter-se dado passos em frente na “concretização da união bancária” e do reforço do fundo monetário europeu. Tusk sugeriu que “em junho poderão tomar-se as primeiras decisões”, após a cimeira de março em que o tema será discutido.
Sobre a zona euro, pronunciaram-se também Merkel e Macron, com o segundo a colocar especial ênfase na questão de um orçamento para o espaço da moeda única, projeto que lhe é particularmente caro. Questionado sobre a possibilidade de entendimento com a Alemanha na matéria, o dirigente francês foi taxativo: “Não só penso como quero que venha a concretizar-se.” O que foi subscrito pela chanceler: “Onde há vontade para uma coisa, há um caminho para lá chegar.”
“Estamos no caminho de conseguirmos um brexit que torne a Grã-Bretanha próspera, forte e segura”
THERESA MAY
CHEFE DO GOVERNO BRITÂNICO “Não só penso como quero que venha a concretizar-se um orçamento comum [para a zona euro]”
EMMANUEL MACRON
PRESIDENTE DE FRANÇA