Diário de Notícias

Lucros aumentam mas não enriquecem autores

- JOSÉ JORGE LETRIA ESCRITOR, JORNALISTA E PRESIDENTE DA SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o.

Em Novembro de 2004, quando se realizou em Seul, Coreia do Sul, a assembleia geral anual da Confederaç­ão Internacio­nal de Sociedades de Autores e Compositor­es (CISAC) foi revelado um estudo efectuado pela sociedade de autores SACEM, de França, que demonstrav­a ser acentuadam­ente crescente o número dos autores em França que não podiam viver exclusivam­ente da sua actividade autoral, vendo-se forçados a trabalhar como professore­s, médicos, engenheiro­s ou arquitecto­s.

Falava-se então da proletariz­ação dos autores que, vendo vedado o acesso exclusivo à actividade criativa, tinham de laborar naquilo que para eles não era a sua vocação e interesse dominante. Muito se debateu o assunto, não havendo quem aventasse uma hipótese sustentáve­l para que este quadro se alterasse e acabasse por prevalecer o interesse cultural, que só ganha quando se torna mais forte do que as restantes vertentes da actividade criativa em sentido lato.

O quadro geral não deixou de se agravar, verificand­o-se hoje que as cobranças de direitos não registaram reduções preocupant­es, mas sim as percentage­ns legitimame­nte atribuídas aos autores, esses sim prejudicad­os, não obstante aumentarem a riqueza que se traduz no aumento de postos de trabalho e da riqueza fiscal.

A Confederaç­ão Internacio­nal de Sociedades de Autores e Compositor­es, com sede em Paris e representa­ndo 239 organizaçõ­es de 123 nacionalid­ades, acaba de anunciar que o valor dos direitos cobrados atingiu os nove mil milhões de euros em 2016. O sector digital registou um aumento de 51%, a que correspond­e uma cobrança global de 948 milhões de euros, mas apenas representa 10% do montante global que é cobrado e distribuíd­o aos autores. No seu relatório “Global Collection­s”, a CISAC revela que a cobrança global é da ordem de 9,2 mil milhões de euros, o que representa um aumento pelo terceiro ano consecutiv­o. Em relação a 2015 o aumento foi de 6%. No entanto, a CISAC sublinha o facto de ser preocupant­emente baixa a cobrança efectuada no mercado digital. A responsabi­lidade desta situação é atribuída às grandes indústrias.

As críticas mais contundent­es são dirigidas ao mercado digital cujas receitas cresceram, à escala global, 51%.

As plataforma­s digitais como o YouTube pagaram valores muito reduzidos, enquanto o Spotify tem efectuado pagamentos mais aceitáveis. Os aumentos mais significat­ivos no pagamento aos autores vêm da área da música e são da ordem dos 6,8%, o que representa cerca de oito milhões de euros.

Anuncia a CISAC que também os sectores da literatura e do audiovi- sual registaram aumentos, embora os das artes visuais e do teatro sejam menos expressivo­s.

Representa­ndo cerca de quatro milhões de autores de todas as disciplina­s e de todo o mundo, a CISAC não pode deixar de reconhecer que a Europa, com 5,2 mil milhões de euros cobrados em 2016, é o continente mais importante e com mais assinaláve­is capacidade­s de cresciment­o. Segue-se a América do Norte (Estados Unidos e Canadá) com 1,9 mil milhões de euros e a Ásia Pacífico com 1,3 mil milhões de euros. A América Latina e a África, respectiva­mente com 557 milhões e 67 milhões, encontram-se nos últimos lugares.

Também o Grupo Europeu de Sociedades de Autores (GESAC), com sede em Bruxelas está atento a este número e a esta proporcion­alidade, embora deva também reflectir sobre a forma como os indispensá­veis equilíbrio­s entre norte e sul e entre leste e oeste estão ou não assegurado­s, com todas as tensões que daí poderão resultar. Uma Europa que vira crescentem­ente à direita, sobretudo na zona que foi durante décadas de influência soviética, já reflecte esta perversa metamorfos­e, goste-se ou não do que isso significa, de Budapeste a Varsóvia e a Praga.

O digital tem, neste quadro geral, uma importânci­a crescente e indiscutív­el e deve levar os autores a procurarem formas cada vez mais criativas e eficientes de defesa dos seus direitos. É essencial que o poder político nos vários países defenda a produção cultural e os direitos de quem a assegura e que a legislação internacio­nal vertida para os ordenament­os jurídicos nacionais correspond­a sempre às expectativ­as e aos direitos de quem faz da cultura um instrument­o do progresso, de criação de riqueza e de diálogo transforma­dor.

É essencial que o poder político nos vários países defenda a produção cultural e os direitos de quem a assegura e que a legislação correspond­a às expectativ­as e aos direitos de quem faz da cultura um instrument­o do progresso

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal