Diário de Notícias

PERNIL DÍVIDA DA VENEZUELA EXPLICA ATRASOS NO FORNECIMEN­TO

Crise. Produto tradiciona­l do Natal venezuelan­o não chegou aparenteme­nte por dívidas do governo de Nicolás Maduro aos fornecedor­es. Empresa lusa reclama 40 milhões em atraso

- JOÃO PEDRO HENRIQUES e RUTE COELHO

Comunidade lusa à margem do conflito de Maduro com Portugal.

A comunidade emigrante portuguesa na Venezuela não sentiu represália­s pelo facto de o presidente do país, Nicolás Maduro, culpabiliz­ar Portugal pela ausência, neste ano, nos mercados venezuelan­os, do prato principal do Natal venezuelan­o, pernil de porco.

A garantia foi avançada ontem ao DN por fonte diplomátic­a portuguesa que se tem mantido em contacto permanente com a rede diplomátic­a lusa na Venezuela. Segundo a mesma fonte, a comunidade portuguesa na Venezuela, embora cada vez mais pequena, ainda terá cerca de 400 mil pessoas (entre nascidos em Portugal que emigraram e lusodescen­dentes). A situação de crise política e económica tem levado à debandada de muitos emigrantes lusos, procurando a maior parte deles refúgio no ponto de origem, a Madeira (entre três e quatro mil nos últimos anos).

Ontem a diplomacia portuguesa foi sobressalt­ada pelas acusações de Maduro: “O que se passou com o pernil? Fomos sabotados e posso falar num país em particular, Portugal. Estava tudo pronto, comprámos todo o pernil que havia na Venezuela, mas tínhamos de importar e sabotaram a compra”, disse o presidente da Venezuela. Ao mesmo tempo, o vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, o partido do governo), Diosdado Cabello, acusava os portuguese­s de se terem assustado com os norte-americanos. “Os portuguese­s compromete­ram-se, os gringos [norte-americanos] assustaram-nos e não mandaram o pernil e estamos em apertos”, disse.

As autoridade­s venezuelan­as reagiam assim a manifestaç­ões populares em Caracas, de protesto pela ausência não só de pernil como de outros alimentos e de combustíve­l. A Lusa dizia que os manifestan­tes, alguns deles com T-shirts pró-regime e com pequenas bandeiras da Venezuela, ergueram barricadas de lixo e escombros nas proximidad­es da casa comunal do PSUV.

Em nome do governo português, o ministro dos Negócios Estrangeir­os, Augusto Santos Silva, recusava responsabi­lidades políticas nacionais na ausência de pernil. “O governo português não tem o poder de sabotar pernil de porco”, dizia à TSF. Ou seja: o problema foi apenas comercial, entre fornecedor­es (empresas portuguesa­s) e contratant­es (o Estado venezuelan­o, que faz incluir no Natal o pernil de porco no cabaz de compras com que subsidia, em géneros, milhares de famílias venezuelan­as, muitas delas de funcionári­os públicos). Insistia Augusto Santos Silva: “Não há interferên­cia do governo português nesta matéria. Estou consciente de que o pernil de porco é o equivalent­e ao nosso bacalhau para o Natal venezuelan­o. O facto de ter havido atrasos na distribuiç­ão nada tem que ver com o governo português. Sei que há divergênci­as entre as partes contratuai­s quanto às formas e prazos de pagamento.” Ao mesmo tempo, o ministro português assegurava que a ausência do pernil nada tinha que ver com o embargo às armas decretado pela UE à Venezuela: “As únicas restrições que temos no relacionam­ento económico bilateral com a Venezuela são as sanções àquele país aprovadas no âmbito da União Europeia, como o congelamen­to de bens aplicados na Europa. Mas a única medida que já está em vigor é a proibição de exportação de armamento de um certo tipo para a Venezuela. Portugal nem tem esse armamento, não faz essa exportação.” Sem dinheiro não há pernil A meio da tarde surgiu nas redações um comunicado de uma empresa, a Raporal, em que “confirma que é aVenezuela que não tem cumprido pontualmen­te as suas obrigações de pagamento dos fornecimen­tos realizados em 2016”.

A empresa informou ter reunido ontem de manhã com o embaixador daVenezuel­a em Lisboa, tendo este garantido, em nome do governo do seu país, que haverá pagamento do que falta até março de 2018.

Segundo a Raporal, foi assinado em 2016 um contrato de 63,5 milhões de euros para o fornecimen­to de 14 mil toneladas de carne mas “ainda permanecem pendente de pagamento cerca de 40 milhões de euros”.

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