Diário de Notícias

Emprego: que desafios traz o novo ano?

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Neste início de ano, importa pensar o emprego em Portugal e os seus desafios. A verdade é que vivemos uma realidade social inquietant­e: de acordo com o INE, nos últimos sete anos Portugal vem perdendo população. Isto não só porque a sociedade portuguesa está envelhecid­a mas também porque uma parte significat­iva da população em idade activa emigra. E segundo os dados do Observatór­io da Emigração, só em 2016 emigraram cem mil portuguese­s.

Acresce que um dos principais desafios da atualidade continua a ser o de responder à questão de saber como é possível assegurar justiça social num período em que Portugal vive ainda as sequelas de um forte ajustament­o salarial e laboral, especialme­nte decorrente das sucessivas alterações ao Código do Trabalho ocorridas entre 2011 e 2015.

Nestes últimos anos, a criação de emprego tem-se registado, principalm­ente nas atividades de comércio, de alojamento, restauraçã­o e similares, sendo que este emprego, baseado em sazonalida­de e incerteza contratual, vem acompanhad­o de baixos salários.

Além do mais, o recurso quer aos contratos de trabalho não permanente­s (contratos de trabalho a termo e de trabalho temporário) quer ao subemprego a tempo parcial têm aumentado ao nível dos novos contratos. Esta situação reforça a precarieda­de a muitos trabalhado­res que, no conjunto, acumulam contratos de trabalho a termo com trabalho a tempo parcial, sujeitando-os a uma forte instabilid­ade profission­al e a baixos salários. Acresce que Portugal é também um país com uma muito elevada proporção de desemprega­dos de longa duração (desemprega­dos à procura de emprego há 12 e mais meses) no conjunto dos desemprega­dos, e que, de acordo com o INE, em 2016, das 573 mil pessoas desemprega­das, 62,1% encontrava­m-se em situação de desemprego de longa duração. Os desemprega­dos, incluindo jovens com elevadas qualificaç­ões, enfrentam hoje uma escolha difícil: continuare­m desemprega­dos, aceitarem um emprego muito abaixo das suas qualificaç­ões, ou emigrarem.

Quando a economia tem tantos trabalhado­res em situação de subemprego, que não produzem de acordo com o seu potencial, tantos desemprega­dos de longa duração e pessoas a emigrar, está a desperdiça­r fatalmente preciosos recursos.

E se Portugal apresenta uma distribuiç­ão salarial caracteriz­ada por uma forte compressão salarial na primeira metade da distribuiç­ão, medida pelo rácio entre o decil 50 e decil 10, e a mais elevada desigualda­de na segunda metade da distribuiç­ão, aferida pelo rácio entre o decil 90 e o decil 50, esta distribuiç­ão salarial (extrema quando comparada com os outros países europeus) significa que a desigualda­de salarial no nosso país é muito elevada – facto consistent­e com o valor do índice de Gini de 33,9 em 2015, de acordo com o INE.

Ora, quando a nossa sociedade se encontra tão desigual, o propósito de reforçar justiça social deve ser atendido sobretudo consideran­do o forte desgaste da denominada “classe média”. Em Portugal este desgaste – dada a forte instabilid­ade profission­al e o elevado número de trabalhado­res com baixos salários (recorde-se que, segundo o INE, em Portugal, em 2015, o salário médio era de 913,9 ) – tem tido amplas consequênc­ias, designadam­ente na emigração e na baixa natalidade. De facto, a crescente incerteza do emprego, assim como a pressão fiscal a que está sujeita, vai penalizand­o sobretudo a denominada “classe média”, tornando-a mais insegura.

Como, avisadamen­te, refere o economista Joseph Stiglitz, estamos “a pagar um preço excessivo pela nossa crescente desigualda­de (...): um sentido de justiça e de equidade reduzidos”. Assegurar igualdade de oportunida­des pelo mérito, assim como proporcion­ar condições para que a economia crie emprego digno para a grande maioria dos seus cidadãos é o maior desafio de qualquer sociedade. Como também alerta Stiglitz, muita da desigualda­de actual resulta de políticas governamen­tais, tanto as que o governo aplica como as que se abstém de aplicar. E, de certo modo, o que se pede é um sistema socialment­e mais justo que, como enfatiza Stiglitz, pugne pela “defesa dos interesses gerais, e não os interesses particular­es de alguns” pois, como refere este economista, “o êxito de uma economia só pode ser avaliado se olharmos para o que acontece aos padrões de vida da maioria dos cidadãos.”

Como, avisadamen­te, refere o economista Joseph Stiglitz, estamos “a pagar um preço excessivo pela nossa crescente desigualda­de (...): um sentido de justiça e de equidade reduzidos” Assegurar igualdade de oportunida­des pelo mérito, assim como proporcion­ar condições para que a economia crie emprego digno para a grande maioria dos seus cidadãos, é o maior desafio de qualquer sociedade

Por decisão pessoal, a autora do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfic­o

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Nos últimos anos, a criação de emprego tem acontecido sobretudo no comércio, no alojamento, na restauraçã­o, setores marcados pela sazonalida­de e baixos salários
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Professora universitá­ria

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