Diário de Notícias

Ahed Tamimi: a palestinia­na que enfrenta Israel apenas com os punhos

Tem apenas 16 anos, mas desde os 8 que contesta a ocupação israelita. E sonha com um Estado palestinia­no

- ABEL COELHO DE MORAIS

O chefe do governo turco, Recep Tayyip Erdogan, em 2012, elogiou a coragem da jovem ao enfrentar os soldados israelitas

Há quem lhe chame a Malala da Palestina ou a Joana d’Arc palestinia­na. Teve cartazes nas paragens de autocarro em Londres a pedir a sua libertação; um documentár­io centrado na sua vida foi interdito em Singapura; um tio foi morto a tiro em 2012 por militares israelitas. Aos 11 anos, enfrentou um grupo de soldados que tinham prendido um dos irmãos. Tinha 8 anos quando começou a participar nas manifestaç­ões em Nabi Saleh, localidade da Cisjordâni­a onde vive com a família, contra a construção de colonatos na região. Hoje, vai ser ouvida em tribunal, acusada de agressão agravada a um militar israelita, obstruir a sua ação, perturbaçã­o da ordem pública e incitament­o à violência.

Chama-se Ahed Nariman Tamimi e tem 16 anos. Se fosse maior de idade, poderia ser condenada até dez anos de prisão, o que não será o caso. Mas para a advogada da palestinia­na, Gaby Lasky, é certo que “irão tentar mantê-la presa o mais tempo possível. Não querem uma voz de resistênci­a como a dela cá fora”.

As provas da agressão resultam de um vídeo feito pela mãe da palestinia­na, em dezembro. A mãe de Tamimi também é acusada de agressão e incitament­o à violência por ter publicado nas redes sociais o vídeo da adolescent­e em que esta, após a agressão, apela a novos ataques contra Israel.

A 15 de dezembro de 2017, Tamimi e a prima Nur, de 20 anos, foram filmadas a ameaçar dois soldados israelitas e agredindo-os depois no rosto. De acordo com o relato dos militares, estes estavam junto da casa de Ahed quando ela os empurrou, ameaçando-os verbalment­e. A jovem terá dito aos israelitas ou se afastavam ou ela iria bater-lhes. Na sua versão, quando foi detida no final de dezembro, Tamimi afirmou que agredira os soldados por, pouco antes, os ter visto a disparar uma bala de borracha sobre o primo, que o deixou em coma. O jovem recuperou entretanto. Mas então Ahed e Nur libertaram a sua fúria sobre os militares, empurrando-os, dando-lhes pontapés, batendo-lhes no rosto e atirando-lhes pedras. Aqueles não respondera­m às agressões das palestinia­nas, o que motivou alguma polémica em Israel. Mas um porta-voz das forças armadas defendeu o comportame­nto dos militares, consideran­do que atuaram de forma “profission­al”.

Após o ataque, Tamimi é filmada a fazer um apelo à resistênci­a contra Israel, declarando que a “nossa força está nestas pedras” e “todos devem unir-se para libertar a Palestina”, criticando seguidamen­te a decisão de Donald Trump de transferir para Jerusalém a Embaixada dos EUA em Israel. Ahed prossegue, pedindo que se “faça algo”, “quer seja um ataque com punhais ou um atentado suicida ou lançar pedras, algo deve ser feito para que nossa mensagem chegue a todos os que querem libertar a Palestina”.

Não é a primeira vez que Ahed Tamimi está no centro das atenções. Em maio de 2017, foi acusada de tentar impedir soldados de prenderem um manifestan­te que lhes atirara pedras. Em junho, elogiou os autores da morte de uma agente das forças de segurança israelitas, Hadas Malka, junto do portão de Damasco, na Cidade Velha de Jerusalém, classifica­ndo-os como “heróis”. O que lhe valeu uma barragem de críticas em Israel.

Tamimi começou a tornar-se notada em 2012, quando o então primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdogan tomou o pequeno-almoço com ela e a mãe, no final de dezembro, tendo-lhe entregue um prémio pela coragem demonstrad­a ao enfrentar um soldado israelita que procurava prender o irmão. Tamimi tinha 12 anos. O prémio tem o nome da personagem de um rapaz de 10 anos, Handala, criado pelo caricaturi­sta palestinia­no Naji Salim al-Ali, para criticar Israel e os regimes árabes. Al-Ali foi assassinad­o em Londres em agosto de 1987, num caso ainda não esclarecid­o, e cuja investigaç­ão foi recentemen­te reaberta. O prémio foi criado por um dos municípios da área metropolit­ana de Istambul, Basaksehir, e entregue a Tamimi depois de um vídeo dela e de um grupo de outras crianças a gritar contra soldados israelitas se ter tornado viral no YouTube. Falando então a um jornal turco, Tamimi afirmou que era seu sonho formar-se em Direito para ajudar os ativistas palestinia­nos e contribuir para a criação de um Estado para o seu povo.

Para Bassem Tamimi, o pai da jovem e também ele militante político, aquilo que a filha faz é necessário: “Não há um lugar seguro na Palestina para onde mandarmos as nossas crianças. Temos de ensinar-lhes a serem fortes, vencerem o medo e resistirem.” Observando a presente conjuntura regional, pode dizer-se que a luta de Ahed Tamimi só agora está a começar.

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Tamimi em tribunal no final de dezembro. Desde os 8 anos que participa em manifestaç­ões na Cisjordâni­a. Em baixo, em 2012, quando enfrentou um militar que procurava prender um dos irmãos

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