Diário de Notícias

Encarar as vítimas

- JOANA PETIZ

No ano passado, que a União Europeia declarou ser o ano contra a violência doméstica, foram assassinad­as em Portugal menos mulheres do que em qualquer dos anteriores, desde que há registo. Para as famílias das 19 que fazem a lista negra de 2017, não há como dizer que é uma boa notícia, mesmo porque o número de casos registados até subiu, para 27 291, com as Nações Unidas a fazerem um retrato pouco animador para o mundo em 2018: mais de um terço das mulheres já foram vítimas de violência física ou sexual. Trata-se de uma estimativa, já que muitos dos casos não são revelados – em Portugal, por exemplo, a maioria das vítimas demora mais de seis anos a denunciar as agressões e metade continua a viver com o agressor depois do crime. E mesmo o facto de a violência doméstica ter evoluído de “assunto de família” para crime público em cada vez mais países parece não ser suficiente para realmente mudar esta realidade. Basta olhar para os números europeus: 149 mulheres mortas em Itália no ano passado, 127 na Alemanha, 123 em França, 113 no Reino Unido, 48 em Espanha. Escusado será dizer que o pior cenário é uma fraca amostra do horror por que passam dezenas de milhares de mulheres.

Alertado para um problema cujos efeitos não se esgotam na vítima direta – antes têm graves implicaçõe­s naqueles que testemunha­m estes atos, muitas vezes praticados por alguém que lhes é próximo e contra alguém que lhes é próximo –, Miguel Oliveira Rodrigues fez o trabalho que ainda ninguém tinha feito. Ao estudar o comportame­nto das crianças expostas a atos de violência doméstica e estruturar a informação, este chefe da PSP conseguiu dar-nos um retrato dos efeitos colaterais do crime: instabilid­ade, agressivid­ade, depressão, falta de capacidade de concentraç­ão, dificuldad­e em criar laços e em ter bons desempenho­s escolares.

Há assuntos que são demasiado sérios e graves para não associarmo­s os números a caras. A violência doméstica é um deles. É urgente dar uma cara não só às vítimas diretas como às colaterais, muitas vezes os filhos destas mulheres.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal