Para lá da caça aos bruxos

Ah, a grande canção de Frank Sinatra,MyWay! Por acaso é do Claude François e com esse eu já não teria coragem de abrir a crónica. Lourinho com canções delicodoces, ele era o cantor francês mais popular da década de 1960. Clo-Clo, chamavam-lhe as fãs, era capa costumeira na Salut Les Copains, revista dos adolescentes yé-yé que iam ser inquietados por um Maio de 1968 radical. Entretanto, Clo-Clo sofreu uma revolução maior e logo onde elas doem mais. Em 1965, a sua namorada France Gall ganhou o Festival da Eurovisão com uma canção que não era dele: Poupée de Cire,

Poupée de Son.Vexado, ele telefonou-lhe a acabar com tudo e ela entrou a chorar no palco para receber o prémio. Por causa da separação, Clo-Clo fez a canção

Comme d’Habitude que iria ser, em inglês,a MyWay de Frank Sinatra (e de Elvis). A musa, France Gall, que morreu ontem, cantora linda, de voz miada, esteve ainda ligada a outro monumento – há pessoas simples com destinos desses, catalisam o ar do tempo e ficam universais sem querer. Desta vez, 1967, é ela que canta e o autor da canção acompanha-a em contraponto – ele é Serge Gainsbourg, tem 38 anos, o dobro dela. Ele relançava a carreira e na canção que oferecia a France Gall, Les Sucettes (Os Chupa-Chupas), revelava-se o monstro sagrado que lhe reconheceríamos ao morrer (1991). Há um vídeo de ambos a cantar

Les Sucettes num programa de tevê. Pura e inocente, ela canta os versos “Aninhas gosta de chupa-chupas...”, onde o anis a que sabem os chupa-chupas rimam com

paradis (paraíso).Ela,virginal,derrete-se. Ele, lúbrico, devasso e libertino, pousa os olhos nela.Todos sentimos e sabemos que é uma canção sobre o desejo e a sedução. Ele nunca o dirá. Ela dirá sempre que não sabia. E, 50 anos depois, Serge Gainsbourg é estudado nos liceus e universidades. Espero que continue.