Guerras de treinadores que marcaram o futebol português
Sérgio Conceição e Rui Vitória são os mais recentes técnicos desavindos em Portugal. Recorde outros célebres bate-bocas
É a mais recente picardia entre treinadores do futebol português. Sérgio Conceição e Rui Vitória são os protagonistas, com algumas trocas de mimos que culminaram no domingo à noite com uma declaração forte do técnico do FC Porto, que comparou o seu homólogo do Benfica a um... boneco. “Sou livre, crescido e assumo a responsabilidade do que digo. Faz-me lembrar um boneco que o meu filho tem em casa. Que tem um botão agressivo e carrega-se para ser agressivo. Depois tem outro botão para entrar em modo padre. Eu não sou desses que têm botões para se comportarem de determinada maneira em frente à comunicação social”, atirou, anunciando que se referia a RuiVitória.
Isto tudo surgiu na sequência de uma guerra de palavras iniciada quando o treinador benfiquista se queixou por o árbitro do BenficaSporting não ter usado os monitores do estádio para verificar os lances duvidosos analisados pelo videoárbitro. Na sequência disso, Conceição acusou Vitória de “falta de coerência”, por não ter feito a mesma análise no clássico que opôs FC Porto e Benfica, tendo o técnico encarnado depois lembrado que, em tempos, Conceição disse para deixarem os árbitros em paz. Agora, aguarda-se a resposta de Vitória à analogia do boneco. Para já, o Benfica reagiu no Twitter: “Uns são treinadores campeões, dentro e fora de campo, pela humildade. Outros perdem sempre deslumbrados pela sua vaidade.”
O mestre do conflito e o palhaço
O futebol português está recheado de bate-bocas envolvendo alguns dos mais renomados treinadores. Na década de 1970, Mário Wilson e José Maria Pedroto protagonizaram um duelo quentinho ao longo dos anos. Em 1975-76, o Benfica deWilson conquistou o título numa disputa acesa com o Boavista de Pedroto, que levou o Velho Capitão a considerar que o seu rival era um “mestre do conflito”, acusando-o de racismo na sequência das diversas trocas de galhardetes.
Anos mais tarde, na qualidade de selecionador nacional, Wilson convocou vários jogadores do FC Porto para um particular com a Espanha, em Vigo. Pedroto não gostou de essa partida se disputar no meio de uma eliminatória com o AC Milan para a Taça dos Campeões e chamou “palhaço” ao selecionador. Pedroto acabou por ser multado pela Federação em 500 escudos, reagindo de forma mordaz: “Quando disse que Mário Wilson, como treinador, era um palhaço, não tive intenção de ofender os palhaços.” O neurónio e o doente mental Um dos treinadores portugueses que mais vezes estiveram ligados a trocas de piropos foi José Mourinho, que, curiosamente, começou por ser visado, dias depois de ter assumido o comando da U. Leiria, em 2001, substituindo Manuel José, treinador que, dias depois, num programa da RTP fez um ataque cerrado ao então jovem técnico. “Mourinho é aprendiz de treinador. Ele não me fez um telefonema a dizer que ia para o meu lugar, não é aceitável entre oficiais do mesmo ofício, e isso eu não esqueço. Se ele pensa que isto é a lei da selva e ele é o Tarzan, está muito enganado, já vi chegar muitos Tarzans que agora não sei onde param”, atirou, furioso. Mourinho demorou, mas acabou por responder. “Por agora, não vou comentar peixeiradas”, disse, acrescentando: “Não nutro nem amizade nem respeito por ele.”
Já José Mourinho estava no Chelsea, em 2007, quando Jaime Pacheco anunciou que o seu Boavista não ia jogar com a Académica da mesma forma como os londrinos tinham jogado dias antes no Dragão com o FC Porto. “Não vou estacionar o autocarro em frente à baliza. Vou jogar para ganhar”, atirou. A resposta de Mourinho não demorou. O técnico, que na altura já era chamado de Special
One, disse que “em Portugal há muitos líricos, que gostam de ver os portugueses fracassarem”, assumindo que “aparecem alguns inteligentes como o Jaime Pacheco, que só têm um neurónio”. O então técnico do Boavista não se ficou e endureceu o discurso: “A julgar por uma fotografia que vi no jornal, ele deve ser um doente mental. Pode ter títulos, muito dinheiro, mas parece ser uma pessoa doente.”
Talisca, D’Artagnan e Dumas
Em setembro de 2014 entraram em rota de colisão os treinadores portugueses que, na atualidade, mais se envolvem em bate-bocas: José Mourinho e Jorge Jesus. E tudo por causa de um jogador que começava a dar nas vistas no Benfica: Anderson Talisca. O então treinador do Chelsea assegurou numa entrevista que o médio brasileiro só não estava a jogar num clube em Inglaterra por não ter licença de trabalho. Jesus sentiu-se atingi- do, pois defendia que tinha sido ele a descobrir o brasileiro: “Ele conhece tanto o Talisca como eu o D’Artagnan.” A resposta não se fez esperar, bastante contundente: “Fico contente por perceber que ele lê Alexandre Dumas. Ao contrário de mim que, sinceramente, com a vida que tenho, e por estar a trabalhar fora de Portugal há tanto tempo, me limito a ler quando posso a gramática portuguesa, que é para um dia não me acusarem de andar aos pontapés com ela.”
No último ano como treinador do Benfica, no calor da disputa do título com o FC Porto, Jesus assumiu os enganos quando dizia o nome do treinador rival. “O Lopetegui, ou Lotopegui, às vezes troco o nome”, disse numa conferência de imprensa, no final do clássico da Luz. O treinador espanhol não gostou e foi pedir-lhe explicações ainda no relvado, exigindo que nunca mais lhe trocasse o nome.
A obsessão e o Ferrari
O grande duelo de Jesus foi quando trocou a Luz por Alvalade, altura em que entrou em conflito aberto com Rui Vitória. “As ideias que estão lá
“[Rui Vitória] faz-me lembrar um boneco que o meu filho tem em casa. Eu não sou desses que têm botões para se comportarem de determinada maneira”
SÉRGIO CONCEIÇÃO
TREINADOR DO FC PORTO
são todas minhas. O Benfica não mudou nada, zero.Vou jogar contra uma equipa com ideias minhas, mas o cérebro já não está lá”, atirou Jesus na véspera da Supertaça. O líder encarnado foi resistindo às provocações: “Falo quando quero, como quero e de quem quero. Neste momento, o treinador do Sporting fica a falar sozinho.”
Mas o dérbi na Luz fez aumentar o tom e Rui Vitória começou a disputa: “Vai jogar uma equipa, que somos nós, contra 11 jogadores, que não sei se será uma equipa, que é o Sporting.” Os leões venceram por 3-0 e Jesus não se conteve: “É fácil depois de ganhar responder a Rui Vitória. Era fácil pôr o Rui Vitória deste tamanhinho.”
Os remoques continuaram durante toda a época até que o treinador encarnado respondeu a uma afirmação do rival dizendo que havia “treinadores obcecados pelo Benfica”. “Vou continuar a fazer o meu trabalho, tenho carácter e aí não mudo, não sou de truques”, atirou. Jesus não se conteve e, desafiado a falar sobre o facto de Vitória o ter considerado um mau colega, voltou à carga: “Como não o qualifico como treinador, não sou mau colega. Para ser treinador, ele tem de ser muito mais. Fi-lo sair da toca. Para treinar o Benfica tem de se assumir. Para conduzir um Ferrari tem de ter andamento para ele.” Este foi o ponto mais tenso de uma relação que se foi deteriorando a ponto de ainda hoje estarem de costas voltadas.
Ficou também célebre um comentário de Manuel Machado sobre Jorge Jesus, em 2009, após um Benfica-Moreirense: “Para mim, na vida, um vintém é um vintém, um cretino é um cretino. São valores absolutos.”