Obama diz que presidentes devem saber comportar-se
Ao longo da entrevista, que marca o regresso de David Letterman, nunca foi dito o nome de Trump. Chefe do Estado esteve ontem debaixo de fogo por causa de um comentário racista
SUSANA SALVADOR Barack Obama foi o convidado no regresso de David Letterman aos talk shows, com um programa na plataforma Netflix. Mas ficou claro que havia uma palavra tabu: Trump. Em momento algum da conversa entre ambos se falou do atual presidente norte-americano, apesar das tentativas do septuagenário apresentador. Ainda assim, houve quem lesse recados a Donald Trump e à forma como um presidente se deve comportar nas palavras do entrevistado. “Quando estamos na Sala Oval, sentimos, OK, agora tenho de ser presidenciável”, afirmou Obama. Noutra altura, lembrou que “parte da capacidade de liderar o país não tem que ver com legislação, mas com modelar atitudes, culturas, aumentar a consciencialização”.
My Next Guest Needs no Introduction (o meu próximo convidado dispensa apresentações) marca o regresso de Letterman, que liderou o popular Late Show de 1982 a 2015 (primeiro na NBC e depois na CBS), passando então o testemunho a Stephen Colbert. O programa de estreia (também disponível em Portugal na plataforma de streaming) marcou também o regresso de Obama, quase um ano depois de ter deixado a Casa Branca.
Ambos falaram da “reforma” e da família, mas também do papel das redes sociais na política ou da interferência de países estrangeiros nas campanhas eleitorais. “O que os russos exploraram, mas já estava presente, é que estamos a operar em universos de informação completamente diferentes. Se vês a Fox News vives num planeta diferente de quem ouve a NPR [rádio pública]”, disse Obama. “Um dos maiores desafios da nossa democracia é não partilharmos uma base comum de factos”, referiu. Os dois falaram ainda de racismo e a conversa foi intercalada com imagem da entrevista de Letterman ao congressista democrata John Lewis. O ativista de direitos civis, ao contrário de Obama, não hesitou em falar de Trump, apelidando-o de “uma ameaça para o planeta”. “Países de merda” O programa foi gravado ainda no ano passado, mas o tema do racismo ganhou destaque ontem, com a revelação de que o presidente terá usado a expressão “países de merda” para se referir ao Haiti, a El Salvador e a várias nações africanas, num encontro com senadores que lhe apresentaram um projeto de lei migratório ao abrigo do qual seriam concedidos vistos a alguns cidadãos de países que foram recentemente retirados do Estatuto de Proteção Temporária: “Por que razão temos todas estas pessoas de países de merda a virem para aqui?”, terá questionado Trump. “Devíamos ter mais pessoas da Noruega”, indicou.
O presidente negou no Twitter ter utilizado tal expressão, mas admitiu ter usado uma “linguagem dura”. Contudo, foi prontamente desmentido pelo senador democrata que esteve presente, Dick Durbin. “Ele disse essas coisas cheias de ódio e disse-as repetidamente”, afirmou, falando em palavras “cheias de ódio, vis e racistas”. Diversos países e organizações que consideraram uma ofensa as declarações do presidente norte-americano já emitiram assertivas notas de protesto.
Ontem, Trump ignorou as perguntas dos jornalistas no fim do ato na Casa Branca em que assinou a proclamação do Dia de Martin Luther King Jr. (na próxima segunda-feira) como feriado. “Celebramos o Dr. King por defender a verdade evidente e tão cara para os americanos, de que não importa a cor da nossa pele ou o local onde nascemos, somos todos iguais perante Deus”, disse Trump. Ontem, o presidente revelou também no Twitter que não viajará para Londres para inaugurar a nova embaixada dos EUA, alegando que Obama fez um mau negócio ao vender por tuta-e-meia a antiga representação diplomática e mandar construir a nova, por 1,2 milhões de dólares. “Queriam que cortasse a fita. NÃO!”, escreveu.
Tanto o mayor de Londres, Sadiq Khan, como o líder do Labour, Jeremy Corbyn, congratularam-se com o facto de Trump ter percebido a mensagem de que não era bem-vindo e que seria recebido com protestos. Declarações que levaram o chefe da diplomacia, Boris Johnson, a acusá-los de porem em causa as relações entre os dois países.