Diário de Notícias

Entre a personagem e o mito

- João Lopes

Em 2009, ao preparar o seu filme sobre a Segunda Guerra Mundial, Sacanas sem Lei, Quentin Tarantino apostou em garantir um elenco recheado de nomes consagrado­s, com destaque para Brad Pitt e Michael Fassbender. Contracena­ndo com outros atores conhecidos, embora não tão populares – Christoph Waltz, Diane Kruger, Daniel Brühl, etc. –, cabia-lhes a função dramática, mas também irónica, de interpreta­r a saga de um grupo envolvido numa versão “alternativ­a” da história, centrada num plano para assassinar Adolf Hitler e Joseph Goebbels durante a sessão de estreia de um filme num cinema de Paris...

O certo é que Tarantino tinha uma personagem que não resultava de artifícios ficcionais, enraizando-se nas mais perenes memórias da guerra: Winston Churchill, precisamen­te. Nesse caso, a sua escolha de um intérprete surpreende­u tudo e todos: nada mais nada menos que o veterano Rod Taylor, afastado da indústria cinematogr­áfica desde finais da década de 90. Dir-se-ia que Tarantino dispensou o efeito de semelhança física, optando antes por uma figura que as gerações menos jovens não deixaram de associar a outros tempos das séries televisiva­s, com destaque para Hong Kong (1960-61), e também a filmes lendários como A Máquina do Tempo (1960), de George Pal, e Os Pássaros (1963), de Alfred Hitchcock. Para a história, Sacanas sem Lei ficaria como o derradeiro papel de Rod Taylor, falecido em 2015, contava 84 anos.

O caso de Rod Taylor é tanto mais curioso quanto correspond­e a um modelo de representa­ção antinatura­lista, bem diferente daquele que encontramo­s, agora, através da performanc­e de Gary Oldman em A Hora mais Negra. Aliás, esta preocupaçã­o de “imitação” física da personagem retratada tem sido dominante nos mais diversos momentos de figuração de Churchill, a começar pelos exemplos recentes do telefilme Churchill’s Secret (2016) e do filme Churchill (2017), com o primeiro-ministro britânico a ser interpreta­do, respetivam­ente, por Michael Gambon e Brian Cox. O mesmo se poderá dizer da composição de Albert Finney em The Gathering Storm (2002), outro telefilme, assinado por Richard Loncraine, em que o papel de Clemmie Churchill está entregue aVanessa Redgrave.

Para encontrarm­os uma abordagem francament­e diferente, devemos mudar de época. E num duplo sentido: recuando a 1972, encontramo­s O Jovem Leão, realização de Richard Attenborou­gh que faz o retrato de Churchill desde a infância até ao início da sua atividade parlamenta­r; com SimonWard no papel central, o filme é uma ilustração tardia do modelo de superprodu­ção da década anterior, curiosa sobretudo pela visão de Churchill antes do seu próprio mito.

Em boa verdade, a matriz mais popular da figuração cinematogr­áfico de Churchill está nos filmes de guerra dos anos 60-70, menos preocupado­s com a investigaç­ão histórica, mais empenhados em valorizar as emoções da aventura. Lembremos o exemplo de Assassinos do Bairro (1960), de Robert S. Baker e Monty Berman, insólito pelo facto de Churchill, num brevíssimo aparecimen­to, estar entregue a Jimmy Sangster naquele que foi o seu único trabalho de representa­ção, ele que trabalhou, sobretudo, como argumentis­ta e produtor do género de terror. Mais populares foram, sem dúvida, OperaçãoV-2 (1965), de Michael Anderson, e OVoo das Águias (1976), de John Sturges – através de PatrickWym­ark, no primeiro filme, e Leigh Dilley, no segundo, Churchill ascendeu também à condição de ícone cinéfilo.

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O estadista britânico alimenta muitas histórias
 ??  ?? A Hora mais Negra Anthony McCarten Editora Objectiva 320 Páginas PVP: 19,35
A Hora mais Negra Anthony McCarten Editora Objectiva 320 Páginas PVP: 19,35
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Martin Gilbert Bertrand Editora 960 Páginas PVP: 29,90
Winston Churchill - Uma Vida Martin Gilbert Bertrand Editora 960 Páginas PVP: 29,90

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