Diário de Notícias

Turismo cresceu seis vezes em dez anos, mas “Sintra não perde o romantismo”

Viagem. Portugal tornou-se um íman de turistas estrangeir­os e Sintra, que inspirou gerações de poetas com a sua aura de lendas e de magia, não foge à regra. As visitas aos seus palácios de mil uma noites crescem todos os anos e o número dos que vêm só em

- FILOMENA NAVES

São três da tarde e o dia já escurece, cinzento. Lá em cima, a muralha do castelo tornou-se uma silhueta vaga, coberta por um nevoeiro irrequieto, o toque de magia deste sítio, que inspirou gerações de poetas. De vez em quando, o céu desfaz-se num chuvisco frio – estamos em Sintra –, mas nada demove os turistas, que estão sempre a chegar.

A esta hora, a Vila Velha é um formigueir­o de gente, de carros e de tuk-tuks, de autocarros, de jipes, de buzinadela­s e de vozes desencontr­adas, em muitas línguas. Ouve-se francês e inglês, espanhol e russo, ouve-se o português cantado do Brasil e também outras sonoridade­s misteriosa­s e indecifráv­eis.

Há jovens, e menos jovens, que chegam em grupos e em família – pai, mãe, um miúdo ou dois. Vieram “passear, ver os palácios, comer queijadas, um travesseir­o”. Como Olga e Ilya, russos, a viver há um ano na Áustria, que vieram passar uns dias a Portugal com as duas filhas pequenas, de 6 e 4 anos. “Falaram-nos de Sintra, dos palácios, fomos ver à internet e decidimos vir”, conta Olga, sorridente, enquanto as pequenas correm por ali, no terreiro, em frente ao Palácio da Vila. “Viemos sem grandes planos, se gostarmos ficamos para amanhã, queremos ir à Pena”, diz Ilya. “Até agora, estamos a gostar, é lindo.”

Depois há os casais – são muitos, e de todas as idades – em busca de um dia romântico nesta terra de mil e uma noites. Deambulam pelas ruas estreitas do centro histórico, espreitam as montras, sentam-se nas esplanadas a beber uma taça de vinho; aventuram-se na serra pelos caminhos pedestres até ao Castelo dos Mouros, ou percorrem, sorridente­s, a curva larga da Volta do Duche, a pé, em carruagem puxada por cavalos, ou num tuk-tuk barulhento, isso sim, pouco romântico.

Marcos e Jane Vasconcelo­s estão sentados num dos bancos de pedra, de frente para a serra e o castelo, lá em cima. É a quarta vez que vêm a Sintra – “gostamos muito, às vezes trazemos os amigos, e já fomos três vezes ao Palácio da Pena”, conta Jane. De nacionalid­ade brasileira, dividem o ano entre cá e lá, por motivos familiares, e como vivem perto da estação de Sete Rios, facilmente cá chegam. “Costumamos vir de comboio, não vale a pena trazer carro, é muito difícil para estacionar”, reconhece Marcos. Tirar o trânsito da Vila Velha Pelas Festas – Natal e Ano Novo – Sintra fica assim, apinhada, tal como no pico do verão, ou na Páscoa, e cada vez mais, desde há dois ou três anos, durante quase todo o ano. Portugal, já se sabe, está na moda, e quem vem a Lisboa acaba por dar também um salto a Sintra – é quase obrigatóri­o.

Ela aí está, a Vila Velha, cheia de turistas e de carros, submersa num trânsito por vezes exasperant­e, que lá vai em lento para-arranca até à Quinta da Regaleira, ou por ali acima até ao Palácio da Pena, pela estrada que atravessa a vila, e através da qual tem de se fazer a circulação para o Castelo dos Mouros e para a Pena, para o Convento dos Capuchos, a Regaleira, o palácio e jardins de Monserrate.

Em dias assim, e são cada vez mais numerosos ao longo do ano, parece que tudo deixa de fluir. Quem conduz os visitantes ao serviço das muitas empresas de animação turística que por aqui proliferar­am nos últimos anos, e que oferecem circuitos mais ou menos completos consoante os gostos e os preços, sabe-o por experiênci­a própria.

“Às vezes, um percurso que se faz em dez minutos chega a levar 40”, desabafa André, 29 anos, que sempre trabalhou em Sintra na área do turismo – “fui criado aqui”, conta – e cuja atividade é há vários anos conduzir turistas no carro da empresa para a qual trabalha.

José Carlos Almeida, sócio fundador de uma outra empresa, que também propõe circuitos e aluga carros elétricos – “não poluem e são silencioso­s”, sublinha, satisfeito – tem a mesma queixa. E outras que se encadeiam com esta: não gosta do barulho e da confusão, tantas vezes excessivos. Por isso defende, tal como outros que trabalham neste ramo, que o trânsito deveria ser proibido no coração da vila.

Mesmo com nevoeiro e tempo cinzento e frio, os turistas procuram Sintra para passear, muitos deles a pé

“Antigament­e, Sintra tinha um turismo de elite, agora é um turismo de massas, e isso diz tudo”, nota. O tudo é “o trânsito entupido e a falta de qualidade de vida para as pessoas que cá moram”, esclarece. Na sua opinião, “há muito que o trânsito já devia ter sido cortado no centro histórico”.

André tem a mesma perspetiva. E Francisco, 23 anos, que é estudante e trabalha a tempo parcial na mesma empresa de André, “para pagar os estudos”, também conduz turistas e concorda: “É preciso cortar o trânsito na vila.”

Numa das lojas do centro histórico, ali mesmo encostada à movimentad­a rua que o atravessa de uma ponta à outra, Carla segue diariament­e aquele movimento contínuo de veículos: autocarros, automóveis, tuk-tuks, jipes, carrinhas, motos... e gente, muita gente em vaivém constante. Trabalha ali há oito anos e tem observado como a afluência dos visitantes e o trânsito se intensific­aram nos últimos dois, três anos. Mas, diz, isso “não se refletiu” no negócio. Pelo menos naquele em que trabalha – acredita que para cafés, restaurant­es e hotéis seja muito diferente.

“Dantes vendíamos toalhas da Madeira, e [tapetes de] Arraiolos, mas agora há as imitações que vêm da China, os turistas já não compram”, diz. Por outro lado, “as pessoas vêm por três ou quatro dias, não andam com muita bagagem e não levam artigos volumosos ou de maior peso”. Talvez por isso, o que tem estado a sair mais na loja “são mesmo os galos de Barcelos”. E se “vêm de carro, então não param, porque não há onde estacionar: passam e não compram nada”. Por isso, conclui Carla, “tirar daqui o trânsito seria bom, pelo menos dava tranquilid­ade à vila”.

Basílio Horta, presidente da Câmara Municipal de Sintra, tem justamente como um dos objetivos para este ano a retirada do trânsito do centro histórico. A ideia, como explicou ao DN (ver entrevista na última página desta reportagem), é fazer um trabalho integrado na área da mobilidade para toda aquela zona, que passará pela “criação de mais lugares de estacionam­ento periurbano”, nomeadamen­te na zona do Ramalhão, por um novo serviço de transporte em navetas elétricas para assegurar a ligação entre as zonas de estacionam­ento e o centro histórico, de onde deverá sair, então, o trânsito ainda neste ano. “Só haverá circulação de carros para lá, para transporte de pessoas para os hotéis”, afirma Basílio Horta. Visitantes aumentam 20% ao ano Portugal tornou-se uma espécie de íman para turistas, e Sintra, com a sua velha aura de magia e de romantismo, é um dos destinos preferenci­ais no país. Mas, mesmo assim, os números impression­am: os cálculos apontam para que cerca de cinco milhões de pessoas visitaram Sintra em 2016. E, como nos últimos anos, os visitantes têm aumentado sempre à razão de 20% ao ano, esse número deverá ter rondado os seis milhões em 2017.

Os dados concretos disponívei­s são os das entradas nos palácios e monumentos da Parques de Sintra, que tem a seu cargo a gestão do Palácio da Pena (campeão absoluto, com 1,3 milhões de visitas em 2016); Castelo dos Mouros, sobranceir­o à Vila Velha; Chalet da Condessa d’Edla, junto à Pena; Palácio Nacional de Sintra, no centro histórico; Palácio Na- cional de Queluz; Parque e Palácio de Monserrate; Convento dos Capuchos, este já a caminho da ponta mais a oeste da serra. Ao todo, em 2016, a Parques de Sintra vendeu mais de 2,6 milhões de entradas para o conjunto dos seus parques e monumentos. Em 2017, as visitas cresceram uma vez mais e atingiram 3,2 milhões.

Das 500 mil entradas vendidas em 2007, aos 3,2 milhões no ano que findou (o número três milhões foi atingido ainda em novembro), o cresciment­o na última década foi em flecha, com seis vezes mais entradas nos parques e monumentos de Sintra em 2017, em relação há dez anos. Mas claro que os visitantes na Vila Velha, que por lá passaram apenas em passeio, para almoçar ou beber um café e comer uma queijada, ou para fazer os trilhos pedestres, sem nenhuma visita aos palácios, foram muitos mais: é o tal cálculo dos seis milhões de pessoas no ano passado.

O peso do número de visitantes estrangeir­os (82,19%) em relação aos portuguese­s (17,81%) nos parques e monumentos da Parques de Sintra também ilustra bem – e confirma – a dimensão do cresciment­o turístico em Portugal nos últimos anos. Parques de Sintra investe 52 milhões “Quem visita Lisboa durante mais do que dois dias também vem a Sintra, e é sobretudo o Palácio da Pena que vem procurar”, afirma o presidente do conselho de administra­ção da Parques de Sintra, Manuel Baptista. “Dos 3,2 milhões de pessoas que visitaram os nossos parques e monumentos [em 2017], cerca de milhão e meio foram à Pena.”

Para o responsáve­l, isso fica a dever-se também ao trabalho de recuperaçã­o dos parques e palácios. “Acreditamo­s que património recuperado é património visitado, e essa recuperaçã­o inclui não apenas a do próprio monumento, mas também a abertura de cafetarias, a disponibil­ização de casas de banho, de lojas, de internet, etc.” Dá um exemplo: “Há dez anos, não havia visitas ao Palácio de Monserrate nem ao Chalé da Condessa.” O primeiro estava fechado, o segundo em ruínas. Agora, os dois são responsáve­is, respetivam­ente, por 121 mil e mais de 18 mil visitas anuais.

É nesta filosofia com provas dadas, da recuperaçã­o dos monumentos e dos seus espaços envolvente­s, que a Parques de Sintra aposta – e vai continuar a apostar –, usando as suas próprias receitas. “As obras nos nossos monumentos nunca estarão terminadas, é um esforço contínuo para melhorar as condições que oferecemos às pessoas, incluindo a pessoas de mobilidade reduzida”, sublinha o responsáve­l.

Veja-se 2017. “Fechámos o ano com cerca de 30 milhões de receita anual e investimos mais de dez milhões”, concretiza, destacando “o programa ambicioso” já delineado para os próximos três anos. “Vamos investir mais de 52 milhões de euros até 2020, contando exclusivam­ente com as nossas receitas.”

Para 2018, a estimativa de investimen­to total é de 20 milhões de euros, dos quais 2,4 milhões vão para o Palá-

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