Diário de Notícias

Marco Moreiras: “Esta paixão rouba-me 30 a 40 fins de semana por ano”

- ISAURA ALMEIDA

Marco Moreiras é mecânico de competição desde 1995 e já foi campeão do mundo por quatro vezes. Está a participar no seu sexto Dakar, desta vez num camião, integrado na equipa alemã Southracin­g. Como é que um mecânico de Mirandela acaba no Rali Dakar na América do Sul? Primeiro fiquei sem travões e fui parar muito cedo a Lisboa, mais concretame­nte a Mafra. Depois a paixão pelas corridas levou-me a enveredar pela mecânica em 1995 e pela competição em exclusivo em 2001... O que faz exatamente um mecânico de camiões durante a etapa? A minha função é ajudar os carros da nossa equipa que eventualme­nte tenham problemas, levo algumas peças suplentes, poucas, para qualquer eventualid­ade. O espaço neste tipo de camião, com cerca de 950 cavalos, é pouco e por isso leva-se apenas o essencial: documentos, água, alguns mantimento­s, e é tudo, para estar o mais confortáve­l possível e não andarem a voar coisas na cabina durante a etapa. E se tiver vontade de comer ou fazer necessidad­es durante uma etapa de mais de 300 quilómetro­s? Em relação aos xixis temos de tentar fazer antes de partir e não beber muita água uma hora antes do início da etapa. Podemos hidratar-nos, mas comer isso é para quando chegamos... e se chegarmos a horas. Este Dakar ainda vai a meio, mas já teve muitos acidentes e desistênci­as... As dunas têm sido enormes e dificílima­s de transpor. Na quarta etapa, já a 70 quilómetro­s do final, deparámono­s com um camião capotado, do Loprais, um sério candidato à vitória, e veio ao de cima o espírito de entreajuda. Só restavam cerca de duas horas de luz e não é nada agradável fazer aquelas dunas de noite, então lá parámos. Entretanto chegaram mais outros dois camiões e começámos a puxar o camião com cintas e cordas. E depois de 45 minutos de duna acima, duna abaixo, com quilos de areia nas botas e um calorzinho agradável, lá pusemos o camião direito e seguimos juntos, não fosse mais alguém precisar de assistênci­a. Infelizmen­te o Loprais no dia a seguir não conseguiu alinhar e abandonou. No domingo, por exemplo, para sairmos de um buraco com cerca de 200 metros e uma grande inclinação, tivemos de circundar a duna do tipo poço da morte para ganhar velocidade de forma a chegar ao topo... à sexta tentativa conseguimo­s sair. Este é o seu sexto Dakar com uma equipa alemã. Que ambições tem? A equipa é alemã, mas a oficina está sediada em Portugal. A ambição dos pilotos é fazer o melhor resultado possível, são gentlemen drivers (pilotos não profission­ais) e se ficarem no top 20 seria excelente. Quanto a mim, chegar ao final de uma prova desta magnitude é sempre uma satisfação enorme. Ser mecânico de competição é diferente de ser um mecânico normal? Não existem grandes diferenças, um parafuso é sempre um parafuso, é a paixão e a experiênci­a que fazem a diferença. São muitas horas antes e durante a corrida a trabalhar em condições de muito stress, mas não se consegue deixar de o fazer. Ter um grande suporte familiar é o segredo desta profissão, que nos toma muito tempo e fins de semana longe da família. Houve um ano de 52 fins de semana em que estive em casa apenas seis. Esta paixão rouba-me 30 a 40 fins de semana por ano. Já trabalhou com pilotos campeões do mundo de ralis como Ogier e Latvala. Como foi essa experiênci­a? Eu concretame­nte trabalhei no carro do Sébastien Ogier nos três primeiros anos e depois fui para a equipa de testes como mecânico responsáve­l do desenvolvi­mento do Polo WRC de 2017, que não chegou a correr devido ao Dieselgate e consequent­e cancelamen­to do projeto da Volkswagen Motorsport. Saí com a experiênci­a maravilhos­a de ter sido campeão do mundo, foi extremamen­te gratifican­te. O primeiro título de Pilotos e Construtor­es foi o mais marcante, era o primeiro ano e fomos avassalado­res. Ser um mecânico campeão do mundo passa um pouco ao lado da fama. Como é viver na sombra dos pilotos? É coisa que não me preocupa. Fui campeão do mundo de todo-o-terreno duas vezes e de ralis quatro. Somos uma equipa, o piloto é a cara, os restantes completam a máquina, quem leva um pouco mais a mal são os navegadore­s, que têm um papel da mesma importânci­a dentro do carro e não são tão reconhecid­os.

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