Diário de Notícias

Várias vidas numa só vida

-

Há o monumental; o apologétic­o; o controvers­o; o sintético. A autobiogra­fia. As memórias do próprio sobre a II Guerra Mundial – quase cinco mil páginas escritas entre 1948 e 1953, parte delas quandoWins­ton Churchill esteve em Downing Street pela segunda e última vez (1951-55). As mais de cem obras que Max Hastings diz ter na sua biblioteca sobre Churchill estão longe de esgotar todas as facetas do estadista britânico que teve em 1939-45 o seu momento áureo, como o salienta aquele autor em FinestYear­s – Churchill asWarlord (Harper Press, 2009). Leitura indispensá­vel, em paralelo com A Hora mais Negra, de Anthony McCarten (Editora Objectiva, 2017), ou com O Fator Churchill, de Boris Johnson, para entender as decisões e a determinaç­ão do primeiro-ministro britânico em não contempori­zar com o regime nazi, e em que emerge outro aspeto essencial da sua personalid­ade política: a profunda suspeita sobre as intenções soviéticas na Europa. O que o levará a pedir, em maio de 1945, às chefias militares um plano para “impor à Rússia a vontade dos EUA e do Império Britânico para se obter um acordo ‘justo’ para a Polónia” e que poderiam ser “mobilizado­s” os recursos alemães (palavras de Churchill). Aquilo que Hastings designa como a “belicosida­de” de Churchill não é outra coisa se não a essência da visão do mundo daquele que pode ser considerad­o o último imperialis­ta. Leia-se a autobiogra­fia My Early Life (1930) ou a History of the English-Speaking Peoples (1956-58) ou certos capítulos de Winston Churchill – Uma Vida, de Martin Gilbert. Obra em que ressalta outro dos seus aspetos essenciais: as preocupaçõ­es sociais. Neste livro, como no inspirado Churchill, do trabalhist­a Roy Jenkins (Churchill passou pelos Liberais e Conservado­res), que teve com ele um primeiro contacto em 1940 (tinha Jenkins 20 anos), emerge a terceira e, de algum modo, a caracterís­tica menos conhecida: a pessoa, afável e afetuosa, o consumidor de habanos e de champanhe, pintor de talento (ao contrário do inimigo de Berlim) a quem a mulher tratava por pig – ele, a ela, chamava-lhe cat. Churchill morreu aos 90 anos. Estes e outros livros provam que viveu muito mais do que uma vida. ABEL COELHO DE MORAIS

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal