Parlamento aperta cerco a deputados advogados
Deputados apertam o seu próprio regime de incompatibilidades. Advogados não poderão litigar contra ou a favor do Estado. Nem eles nem as suas sociedades profissionais
Mudança em preparação, que será votada em fins de fevereiro, cria regime próximo da exclusividade. Lei de incompatibilidades mais rigorosa proíbe os advogados e as sociedades de que façam parte de litigarem contra ou a favor do Estado.
Dados da Assembleia da República revelam que dos 230 deputados, 71 são juristas. Destes, 37 estão identificados como advogados
A Assembleia da República prepara-se para apertar fortemente o regime de incompatibilidades dos deputados – criando um regime próximo da exclusividade –, o qual atingirá fortemente os que acumulam a atividade parlamentar com a advocacia (ou consultadoria jurídica). Os trabalhos legislativos estão a decorrer na comissão eventual para o reforço da transparência no exercício de funções públicas, prevendo-se votações finais dos vários diplomas em causa lá para o final de fevereiro.
No que toca aos deputados advogados, o que a lei atualmente prevê é que os estes não possam na advocacia litigar contra o Estado. O regime irá endurecer prevendo que esse impedimento se alargue a litigância também a favor do Estado (ou qualquer entidade pública) – em suma, nunca poderão litigar se uma das partes for pública.
Mas haverá mais. Por proposta do PS e do PCP – que reúne maioria, já que pelo menos o Bloco também será a favor – este impedimento de litigar a favor ou contra o Estado abrangerá não só o deputado advogado mas também as sociedades de advogados que eventualmente integrem. Dito de outra forma: um deputado, mesmo não exercendo advocacia ele próprio a favor ou contra o Estado, não poderá estar numa sociedade de advogados que o faça. Ou melhor: até poderá estar – mas aí será forçado a deixar de ser deputado. O pacote legislativo da transparência também obrigará os deputados a inscrever no seu registo de interesses o facto de integrarem sociedades de advogados (atualmente só têm de dizer a sua profissão, não onde a exercem).
No preâmbulo do seu projeto, o PCP diz que “propõe designadamente” a “clarificação de que são abrangidas pelos impedimentos, nas situações descritas, as atividades ou os atos económicos de qualquer tipo, mesmo que no exercício de atividade profissional e que o que é relevante são os atos praticados e não a natureza jurídica da entidade que os pratica, de forma a incluir inequivocamente as sociedades de advogados (que têm natureza civil)”.
Já o do PS afirma que “o regime de impedimentos aplicáveis a sociedades detidas por titulares de órgão de soberania ou de cargo político no exercício de atividade de comércio ou indústria passa a ser extensível, nas mesmas condições, às sociedades de profissionais que estejam sujeitas a associações públicas profissionais [isto é: ordens profissionais] ”.A norma que prevê a incompatibilidade das sociedades de advogados surgiu inicialmente no projeto do PS que altera o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos (lei 64/93), mas agora, nos trabalhos finais do processo legislativo, será transposta também para o Estatuto dos Deputados. No mesmo constará uma norma que impedirá os parlamentares de “prestar serviços, manter relações de trabalho subordinado ou integrar, a qualquer título, organismos de instituições, empresas ou sociedades de crédito, seguradoras e financeiras”.
Uma contabilidade feita ontem pelo DN apurou a existência de 71 juristas atualmente em funções como deputados. Destes, 37 estão identificados como advogados (não necessariamente no ativo). Ou seja, os advogados serão cerca de 16% dos 230 deputados.