Petições. Deputados querem travar debates em plenário
Parlamento. Petições com mais de quatro mil assinaturas chegam todas ao plenário, mesmo com temas fora dos poderes dos deputados
Ninguém quer mudar a lei, mas alguma coisa será feita. O plenário da Assembleia da República discute hoje uma petição (com mais de nove mil assinaturas) sobre um tema em relação ao qual os deputados não têm a menor competência: mudar o nome que o governo propôs para o futuro aeroporto do Montijo (Aeroporto Mário Soares). Todos os deputados sabem que nada podem fazer – mesmo que quisessem –, mas mesmo assim o texto será discutido.
O facto de estarem a ser discutidas no plenário todas as petições que chegam ao Parlamento com mais de quatro mil assinaturas – mesmo aquelas com temas com- pletamente fora das competências parlamentares – já foi objeto, várias vezes, de referências críticas nas reuniões internas dos deputados, nomeadamente na conferência de líderes parlamentares. A propósito da que será hoje discutida no plenário, os chefes das bancadas e o presidente da Assembleia da República já referiram a necessidade de “revisitar” os procedimentos parlamentares. Não estará em causa – pelo menos de acordo com aquilo que o DN ouviu de várias bancadas, nomeadamente PS e PSD (mas também o PCP ou o PEV ) – mudar a lei, antes alterar comportamentos dentro da lei que existe.
Progressivamente, foi-se instalando no Parlamento um comportamento do tipo “via verde” para que todas as petições chegadas a São Bento com mais de 4000 assinaturas subissem automaticamente ao plenário para discussão – independentemente do tema. Isso levou a agendamento de textos que os próprios deputados – independentemente das cores partidárias – não levam a sério. Por exemplo, uma petição denunciando os chemtrails (a teoria, altamente valorizada pelos grupos conspiracionistas que abundam na internet, segundo a qual o rasto deixado no céu pelos aviões são de produtos químicos e não de vapor de água condensado). Na discussão no plenário, resumida a seis minutos, os deputados disseram todos que não há qualquer evidência científica da veracidade da tese. Mas ao mesmo tempo sublinharam também que o plenário não podia deixar de dar uma resposta às mais de quatro mil pessoas que assinaram a petição. É que, como resume ao DN o deputado do PS Pedro Delgado Alves, “custa à Assembleia da República mandar para trás uma petição que revela mobilização cívica”.
Acontece que, pelo meio, entre assuntos próprios das agendas conspiracionistas ou assuntos de facto relevantes – a eutanásia, por exemplo –, os deputados mobilizam o seu esforço e o seu tempo muitas vezes escusadamente, esforço e tempo dos serviços parlamentares que fazem as primeiras triagens dos documentos que chegam à Assembleia (e tanto podem ser petições de um peticionário só ou de milhares deles). Sintetiza Carlos Abreu Amorim, vice-presidente da bancada do PSD: “A Assembleia da República não pode discutir tudo e um par de botas.” E dá o exemplo de uma petição que pedia, em 2014, o afastamento de José Sócrates do comentário político na RTP 1 – algo, evidentemente, totalmente alheio a qualquer poder político (parlamentar ou outro).
Assim, acrescenta Heloísa Apolónia, do PEV, o que importa é “afinar os procedimentos” mas tendo a Assembleia da República sempre o cuidado de ser “pedagógica” com os cidadãos que exercem os seus direitos junto dos deputados. Dito de outra forma: o Parlamento, segundo a deputada ecologista, não pode simplesmente meter na gaveta as petições que acha desconformes aos seus poderes; tem também de se esforçar para explicar aos dinamizadores dessas iniciativas porque o fez. E, se necessário e possível, reencaminhar essas pretensões para os departamentos públicos competentes fazendo-lhes o mapa dos procedimentos.
Hoje, quanto à petição que não quer que o futuro aeroporto do Montijo tenha o nome de Mário Soares, o que estará em causa, mais uma vez, é o plenário discutir, com dois minutos por cada grupo parlamentar, uma pretensão em relação à qual a Assembleia nada pode fazer (senão reencaminhar para o governo, que foi quem decidiu).
Há também problemas de linguagem no texto que provocam incomodidade entre os deputados. Na petição, Mário Soares é tratado como “fulano”. Antes de o texto chegar ao plenário, uma comissão ouviu não só o principal dinamizador da iniciativa (que sugeriu outros nomes para o aeroporto, como Sacadura Cabral ou Gago Coutinho, Salgueiro Maia ou Jaime Neves) como o próprio presidente da Câmara do Montijo, o qual considerou a petição “extemporânea” por nada estar consolidado quanto à localização de um novo aeroporto na Área Metropolitana de Lisboa. O relator da comissão, um socialista, considerou que o texto reunia condições formais para ele subir a plenário. É o que hoje acontecerá.