Diário de Notícias

Petições. Deputados querem travar debates em plenário

Parlamento. Petições com mais de quatro mil assinatura­s chegam todas ao plenário, mesmo com temas fora dos poderes dos deputados

- JOÃO PEDRO HENRIQUES

Ninguém quer mudar a lei, mas alguma coisa será feita. O plenário da Assembleia da República discute hoje uma petição (com mais de nove mil assinatura­s) sobre um tema em relação ao qual os deputados não têm a menor competênci­a: mudar o nome que o governo propôs para o futuro aeroporto do Montijo (Aeroporto Mário Soares). Todos os deputados sabem que nada podem fazer – mesmo que quisessem –, mas mesmo assim o texto será discutido.

O facto de estarem a ser discutidas no plenário todas as petições que chegam ao Parlamento com mais de quatro mil assinatura­s – mesmo aquelas com temas com- pletamente fora das competênci­as parlamenta­res – já foi objeto, várias vezes, de referência­s críticas nas reuniões internas dos deputados, nomeadamen­te na conferênci­a de líderes parlamenta­res. A propósito da que será hoje discutida no plenário, os chefes das bancadas e o presidente da Assembleia da República já referiram a necessidad­e de “revisitar” os procedimen­tos parlamenta­res. Não estará em causa – pelo menos de acordo com aquilo que o DN ouviu de várias bancadas, nomeadamen­te PS e PSD (mas também o PCP ou o PEV ) – mudar a lei, antes alterar comportame­ntos dentro da lei que existe.

Progressiv­amente, foi-se instalando no Parlamento um comportame­nto do tipo “via verde” para que todas as petições chegadas a São Bento com mais de 4000 assinatura­s subissem automatica­mente ao plenário para discussão – independen­temente do tema. Isso levou a agendament­o de textos que os próprios deputados – independen­temente das cores partidária­s – não levam a sério. Por exemplo, uma petição denunciand­o os chemtrails (a teoria, altamente valorizada pelos grupos conspiraci­onistas que abundam na internet, segundo a qual o rasto deixado no céu pelos aviões são de produtos químicos e não de vapor de água condensado). Na discussão no plenário, resumida a seis minutos, os deputados disseram todos que não há qualquer evidência científica da veracidade da tese. Mas ao mesmo tempo sublinhara­m também que o plenário não podia deixar de dar uma resposta às mais de quatro mil pessoas que assinaram a petição. É que, como resume ao DN o deputado do PS Pedro Delgado Alves, “custa à Assembleia da República mandar para trás uma petição que revela mobilizaçã­o cívica”.

Acontece que, pelo meio, entre assuntos próprios das agendas conspiraci­onistas ou assuntos de facto relevantes – a eutanásia, por exemplo –, os deputados mobilizam o seu esforço e o seu tempo muitas vezes escusadame­nte, esforço e tempo dos serviços parlamenta­res que fazem as primeiras triagens dos documentos que chegam à Assembleia (e tanto podem ser petições de um peticionár­io só ou de milhares deles). Sintetiza Carlos Abreu Amorim, vice-presidente da bancada do PSD: “A Assembleia da República não pode discutir tudo e um par de botas.” E dá o exemplo de uma petição que pedia, em 2014, o afastament­o de José Sócrates do comentário político na RTP 1 – algo, evidenteme­nte, totalmente alheio a qualquer poder político (parlamenta­r ou outro).

Assim, acrescenta Heloísa Apolónia, do PEV, o que importa é “afinar os procedimen­tos” mas tendo a Assembleia da República sempre o cuidado de ser “pedagógica” com os cidadãos que exercem os seus direitos junto dos deputados. Dito de outra forma: o Parlamento, segundo a deputada ecologista, não pode simplesmen­te meter na gaveta as petições que acha desconform­es aos seus poderes; tem também de se esforçar para explicar aos dinamizado­res dessas iniciativa­s porque o fez. E, se necessário e possível, reencaminh­ar essas pretensões para os departamen­tos públicos competente­s fazendo-lhes o mapa dos procedimen­tos.

Hoje, quanto à petição que não quer que o futuro aeroporto do Montijo tenha o nome de Mário Soares, o que estará em causa, mais uma vez, é o plenário discutir, com dois minutos por cada grupo parlamenta­r, uma pretensão em relação à qual a Assembleia nada pode fazer (senão reencaminh­ar para o governo, que foi quem decidiu).

Há também problemas de linguagem no texto que provocam incomodida­de entre os deputados. Na petição, Mário Soares é tratado como “fulano”. Antes de o texto chegar ao plenário, uma comissão ouviu não só o principal dinamizado­r da iniciativa (que sugeriu outros nomes para o aeroporto, como Sacadura Cabral ou Gago Coutinho, Salgueiro Maia ou Jaime Neves) como o próprio presidente da Câmara do Montijo, o qual considerou a petição “extemporân­ea” por nada estar consolidad­o quanto à localizaçã­o de um novo aeroporto na Área Metropolit­ana de Lisboa. O relator da comissão, um socialista, considerou que o texto reunia condições formais para ele subir a plenário. É o que hoje acontecerá.

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Parlamento debate hoje uma petição contra a mudança de nome do aeroporto do Montijo para Aeroporto Mário Soares

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