Diário de Notícias

O Papa e as igrejas queimadas na terra do conflito mapuche

CHILE Francisco, que hoje chega ao Peru, testemunho­u clima de tensão entre povos indígenas e Estado chileno

- PATRÍCIA VIEGAS

Igrejas incendiada­s, três helicópter­os de empresas florestais quase ou totalmente destruídos, uma emboscada contra a polícia, com um dos agentes ferido a tiro. Este é o balanço da violência registada estes dias na região de Araucanía, o berço da etnia mapuche, cuja capital, Temuco, recebeu ontem a visita do Papa. Este foi o último dia de Francisco no Chile. Hoje chega ao Peru.

Os ataques a igrejas naquela região não são, apesar de tudo, uma novidade nem o alvo são sempre as igrejas católicas. Entre 2014 e 2016, noticiou a Efe, foram incendiada­s 12 igrejas nas terras que os mapuches reclamam como suas por direito ancestral: dez eram católicas e duas protestant­es. Metade delas ficavam em Ercilla, precisamen­te em Araucanía. Em julho do ano passado foi também noticiado que um grupo radical de índios mapuche tinha incendiado uma igreja evangélica em Vilcun, nessa mesma região.

Ontem citado pela Efe, o porta-voz do Conselho de Todas as Terras, Aucán Huilcamán, falou em representa­ção de uma parte dos mapuches, expressand­o o seu mal-estar em relação ao “genocídio dos povos indígenas com o apoio do catolicism­o”, em consequênc­ia da colonizaçã­o europeia da América Latina, há mais de 500 anos. Exigiu, assim, ao Papa que “reconheça esta matança” e impulsione, a partir doVaticano, uma política de reparação. Os mapuches exigem ao Estado chileno a restituiçã­o de terras ancestrais que estão nas mãos de latifundiá­rios e empresas florestais.

“É muito importante fazer ver que esta zona é bastante mais do que um mero conflito”, declarou o bispo de Temuco, Héctor Vargas, segundo o qual os mais de 957 mil habitantes daquela região vivem estigmatiz­ados por causa de situações de violência. Num relatório que enviou em dezembro ao Vaticano, o religioso reconhece “a existência de uma dívida histórica e de assuntos pendentes para com o povo mapuche”. Por isso, instou o Papa Francisco a fazer “um apelo ao diálogo e ao abandono do lado das trincheira­s”.

Na homilia que deu no aeroporto de Maquehue, que no tempo da ditadura de Augusto Pinochet foi usado como centro de tortura e de detenção, o Papa argentino afirmou: “A defesa da cultura do reconhecim­ento mútuo não pode ser construída com base na violência e destruição que custa vidas humanas. Não se pode pedir um reconhecim­ento aniquiland­o um outro.”

Perante milhares de pessoas, Francisco saudou “de forma especial o povo mapuche, assim como todos os povos indígenas que vivem nestas terras ancestrais, como os rapanui [da ilha de Páscoa], aymara, quechua, atacamenho­s, como tantos outros”. E pronunciou algumas palavras na língua mapudungun: “Mari Mari, Küme tünngün ta niemün” (bom dia, que a paz esteja convosco).

Segundo a agência Ecclesia, o Papa almoçou ontem também com oito membros da comunidade mapuche, na Casa Madre de la Santa Cruz, em Araucanía, no âmbito da viagem ao Chile e ao Peru.

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Capela católica em Cunco, Araucanía, ficou destruída

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