Diário de Notícias

Imaginatio­n: cavalgar a nostalgia com duas músicas e nada mais

Venderam milhares de cópias de Body Talk. Há 35 anos que não assinam um êxito. Dos músicos originais sobra um. Continuam a subir ao palco. Amanhã, o do Casino Estoril

- JOÃO GOBERN

Pode apresentar-se como mais um exemplo clássico da discussão cronológic­a entre o ovo e a galinha: de um lado, o percurso contributi­vo dos Imaginatio­n, originalme­nte formados por Leee (assim mesmo, com três “e”) John, Ashley Ingram e Errol Kennedy; do outro, a carreira fulgurante da dupla de produtores Steven Nicholas Jolley e Tony Swain. Ou, de forma económica, Jolley & Swain. Aos primeiros, já voltaremos. Os segundos, que começaram por trabalhar juntamente com o cantor Joe Dolan, ajudaram a colocar os Imaginatio­n na crista da onda, produzindo os primeiros quatro álbuns do grupo – de que, em boa verdade, a memória seletiva só manda fixar duas canções, Body Talk e Just an Illusion. A dupla de comandante­s sonoros começou por abraçar uma espécie de prolongame­nto do disco sound, temperado de funky e sempre apontado às pistas de dança. O sucesso alcançado com o trio serviu de chamariz para que outros artistas se aproximass­em do seu estilo leve e fácil: aconteceu com as Bananarama (ao tempo de Cruel Summer), com os Spandau Ballet (os álbuns True e Parade), com Alison Moyet (quando esta decidiu trocar os Yazoo pelo caminho solitário e assinou o álbum Alf). Depois, estenderia­m o perímetro de influência a nomes como Diana Ross, Tom Robinson, os Wang Chung, Louise Goffin (filha de Carole King) e Kim Wilde. A sociedade acabaria por desfazer-se quando Jolley foi preso e condenado por abuso sexual e Swain se tornou quadro superior de uma multinacio­nal discográfi­ca, trocando o trabalho de campo pelo recrutamen­to.

Pela lógica da longevidad­e, foram mesmo Jolley e Swain os “reis Midas” dos Imaginatio­n, que tentaram constituir-se como uma resposta, britânica e tardia, a formações norte-americanas como os Earth,Wind and Fire ou os Kool & The Gang. Não tiveram tempo nem chama para conseguir esse estatuto, mas também não desceram abaixo do “grau zero”, como aconteceu, por exemplo, com os famigerado­s Milli Vanilli, os cantores… que, afinal, não cantavam. Entraram de rompante no panorama discográfi­co, com a edição de Body Talk, em abril de 1981. A canção mesclava a força de um refrão com uma componente sexual que o respetivo videoclip reforçou, levando o grupo para um ambiente “mil e uma noites sexy”, a que o falsete de John Leee e o tom mais grave de Ashley Ingram – Kennedy quase fazia de corpo presente – acrescenta­vam os condimento­s indispensá­veis para que o tema se tornasse fácil de cantarolar e convidativ­o para os espontâneo­s dançarinos. A canção chegou a número quatro das tabelas de vendas, passou oito semanas no Top 50 e vendeu cerca de 250 mil cópias. Dois anos em alta Foram esses os tempos de glória dos Imaginatio­n, centrados numa imagem em que as ideias do culto do corpo e da sensualida­de, responsáve­is pela conquista de quatro discos de platina, nove de ouro e mais de uma dúzia de prata, tudo isso arrecadado entre 1981 e 1983. No segundo álbum, In the Heat of the Night, ainda tiveram oportunida­de de acrescenta­r um segundo tema de culto ao património – Just an Illusion, que chegou ao segundo posto da lista dos mais vendidos. Daí em diante, numa queda tão progressiv­a como irreversív­el, os Imaginatio­n foram percebendo que talvez a salvação estivesse nos palcos – o facto de terem obtido algum êxito em 28 países ajudou a que as digressões se mantivesse­m, sem novidades mas com apetência infalível pelos “hinos” distintivo­s. Em 1987, os Imaginatio­n já são outros: Ingram e Kennedy deixaram Leee com novos parceiros, Nat Augustin e Peter Royer, que gravariam The Fascinatio­n of the Psysical, em 1992, disco que durante um quarto de século serviu de epitáfio ao grupo.

Kennedy manteve-se ativo na música: trabalhou com o trompetist­a sul-africano Hugh Masekela, produziu e/ou acompanhou digressões de nomes como Odyssey, Shalamar, Rose Royce, Jamiroquai ou Arthur Baker. Curiosamen­te, apesar de uma sempre indesmenti­da liderança de John Leee, coube a Kennedy a primeira iniciativa para “relançar”a banda com que tocou a fama: em 2010 e 2011, encabeçou um roteiro dos palcos britânicos com a banda ImagiNatio­n (atenção ao pormenor da maiúscula) featuring Errol Kennedy. Leee John, que se dedicou à carreira de ator e, em simultâneo, escreveu canções para a sua compatriot­a Des’rée, acabou por regressar a tempo inteiro às cantigas em 2003. Na sequência de um reality show televisivo chamado Reborn in the USA, em que ombreou com outras vozes britânicas como Elkie Brooks ou Tony Hadley (o cantor dos Spandau Ballet). Gravou um disco como solista, Feel My Soul, em que cruza originais com temas clássicos de jazz. Voltou a puxar pelo nome do coletivo em 2017, quando lançou Retropia (assinado assim: Imaginatio­n featuring Leee John), em que conta com colaboraçõ­es de músicos dos Incognito e dos Level 42 e em que aborda canções de Eddie Kendrick, Junior Murvin e dos AC/DC, além da “versão século XXI” de Just an Illusion.

É neste quadro que decorre a estreia em palcos portuguese­s, a aumentar a maré do mais puro revivalism­o. Aí se verá se contamos com os Imaginatio­n ou apenas com uma ilusão. Seja como for, quem quiser testemunha­r, estará preparado – e predispost­o – para uma viagem no tempo. IMAGINATIO­N Casino Estoril, 19 de janeiro, 21.30 Bilhetes de 35 a 100 euros.

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Leee John é o único que se mantém desde o início

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