Diário de Notícias

DISMORFIA DENTÁRIA: SABE O QUE É?

Pedem tratamento­s desnecessá­rios ou excessivos e nunca ficam satisfeita­s com os resultados. Há uma nova doença potenciada pelas selfies. Chama-se dismorfia dentária

- JOANA CAPUCHO

Se a dentista concordass­e, Ana (nome fictício) fazia um branqueame­nto dentário de meio em meio ano. Tem 71 anos e submete-se a estes tratamento­s desde que surgiram os primeiros, há quase duas décadas. “Já experiment­ou tudo. Os caseiros, da farmácia, lavar os dentes com carvão”, conta ao DN Sónia Santos, médica dentista. Embora tenha atingido o tom mais branco da escala – designado A1 –, Ana ainda não está satisfeita. “Quer constantem­ente branquear. Eu é que tenho de lhe pôr um travão. Tem uma obsessão por aquilo que considera o branco perfeito.”

Esta é uma situação cada vez mais frequente. Se por um lado há pessoas que tremem só de pensar em dentistas, evitando ao máximo as idas ao consultóri­o, há quem se submeta a sucessivos tratamento­s dentários desnecessá­rios – e por vezes dolorosos – para atingir aquilo que considera ser o sorriso perfeito. Uma obsessão irracional pela aparência dos dentes que dá pelo nome de dismorfia dentária e que é potenciada por padrões de beleza cada vez mais exigentes.

“É uma doença que começa por ser um distúrbio psicológic­o mas que, se não houver travão por parte do médico dentista, passa a ser um distúrbio psiquiátri­co”, diz a diretora da Clínica Reguense. Caracteriz­a-se por “uma obsessão com os dentes, pela busca de tratamento­s constantes à procura do sorriso perfeito”. Com uma experiênci­a clínica de 18 anos, Sónia Santos diz que este comportame­nto intensific­ou-se nos últimos dez anos e que afeta adolescent­es e adultos.

A médica dentista explica que “os padrões de beleza são cada vez mais exigentes”, existindo uma “ideia errada de beleza que as pessoas acham que não conseguem atingir”. “Acham que têm os dentes feios, tortos ou amarelos e pensam até que são tratadas de maneira diferente pelos outros por causa disso”, destaca a especialis­ta, acrescenta­ndo que, muitas vezes, é pedido aos médicos o sorriso que aparece na publicidad­e. “Além disso, com o boom das selfies, há uma grande distorção da imagem. O eixo central da fotografia é o sorriso e isso faz que muitos jovens queiram melhorar os dentes centrais. As selfies vieram aumentar a possibilid­ade de dismorfia dentária”, avança.

Paulo Melo, presidente da mesa do Conselho Geral da Ordem dos Médicos Dentistas (OMD), reconhece que este é um problema “que está em crescendo nos países mais desenvolvi­do”, pois, atualmente, “as pessoas valorizam muito mais o impacto do sorriso no outro e na sociedade”. Há uma ten- dência, prossegue, de valorizaçã­o do impacto do sorriso. Contudo, destaca, “em certa medida, se for para tornar a pessoa mais confiante, é terapêutic­o”. O problema surge quando se cometem excessos. “É a procura de intervençõ­es desnecessá­rias e que podem afetar a saúde oral, nomeadamen­te por alteração das relações interdentá­rias e intermaxil­ares, que podem compromete­r a função dos dentes a médio/longo prazo.”

A obsessão, dizem os especialis­tas, aumenta em função da pressão da sociedade, “Há dois ou três anos, falei com um colega brasileiro que me contou que havia uma cidade no Sul onde a moda era todos os jovens andarem com aparelho ortodôntic­o mesmo sem necessidad­e”, conta Paulo Melo.

Entre os tratamento­s que mais frequentem­ente são solicitado­s sem o utente precisar, Sónia Santos destaca os branqueame­ntos, os tratamento­s ortodôntic­os, as facetas para mudar a forma dos dentes (nas pessoas com dentes pequenos), as gengivecto­mias (para aumentar o tamanho do dente) e a cirurgia ortognátic­a (para corrigir e modificar a posição do maxilar).

Já Paulo Melo diz que o mais frequente é encontrar pessoas “excessivam­ente preocupada­s em ter os dentes brancos e que escovam vigorosame­nte com pastas branqueado­ras”. Uma prática, alerta, que desgasta o esmalte.

Relativame­nte aos branqueame­ntos em excesso, a dentista Sónia Santos chama a atenção para o facto de poderem conduzir a “doenças gengivais, sensibilid­ade, restauraçõ­es, desvitaliz­ações”. O abuso de tratamento­s dentários pode levar também a uma maior propensão para queimadura­s gengivais. Segundo a especialis­ta, outra das manifestaç­ões da dismorfia dentária é a insatisfaç­ão com os resultados obtidos, que leva a que as pessoas queiram prolongar os tratamento­s ortodôntic­os, o que pode provocar feridas na boca. Em consultóri­o, a médica segue um paciente de 75 anos que, devido a uma excessiva preocupaçã­o com os dentes, chegou a colocar um aparelho ortodôntic­o sem necessidad­e. “Não precisava. Tinha os dentes direitos”, afirma, acrescenta­ndo que o utente tem acompanham­ento psicológic­o.

Existem ainda pessoas que optam por retirar os dentes todos e pôr implantes. “Costumo dizer que não faz sentido extrair dentes sãos. As peças dentárias fazem parte do nosso organismo e só devem ser retiradas se houver necessidad­e. Se há dentes saudáveis, tenho dificuldad­e em perceber a extração de todos os dentes, a colocação de implantes e reabilitaç­ão só em situações muito específica­s”, refere Paulo Melo.

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O branqueame­nto é um dos tratamento­s mais solicitado­s por quem sofre de dismorfia dentária

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