Parlamento há sete meses à espera de dados do governo
Processo “está completamente parado” porque informação sobre áreas de transferência de competências para autarquias pedida a 6 de junho pelos deputados ainda não chegou. Governo enviou diplomas, mas partidos querem conhecer os estudos que sustentam projet
Os partidos pediram os estudos que sustentam as propostas de transferências de competências para os municípios
A Assembleia da República pediu ao governo, há já sete meses, informação sobre as várias áreas em que se prevê que haja transferência de competências para as autarquias mas não recebeu, até agora, os estudos que foram solicitados. O requerimento dos deputados – com origem no PSD e no PCP e que mereceu o voto favorável de todos os partidos – foi aprovado a 6 de junho de 2017 e seguiu para o então ministro adjunto Eduardo Cabrita (agora na Administração Interna, mas mantendo a pasta da descentralização) dois dias depois.
“A comissão aguarda pelos estudos que foram pedidos ao governo”, diz ao DN Pedro Soares, deputado bloquista que preside à comissão parlamentar de Ambiente, na qual decorre o processo legislativo da transferência de competências para as autarquias que António Costa já classificou como a “grande reforma do Estado”. O parlamentar diz que o processo “está completamente parado” à espera de que o executivo responda às solicitações dos deputados e que dê também entrada à proposta de revisão da Lei das Finanças Locais. O PSD diz o mesmo. “Há mais de seis meses que os estudos estão pedidos”, sublinha Berta Cabral, vice-presidente da bancada parlamentar social-democrata, acrescentando que “a bola está do lado do governo”. Paula Santos, do PCP, refere também ao DN que a documentação pedida – “essencial” para uma decisão – não chegou, até agora, às mãos dos deputados.
O DN questionou o Ministério da Administração Interna sobre o porquê de não ter ainda respondido à solicitação do Parlamento, recebendo como resposta que “na sequência do requerido pela comissão” o governo “entregou no dia 9 de junho na Assembleia da República todos os diplomas setoriais relativos ao processo de descentralização”. Mas esta é uma resposta que está muito longe de convencer a oposição, que exige informação técnica além das propostas do governo. “O que foi solicitado foram os estudos que sustentam os projetos, está bem explícito”, argumenta o presidente da comissão, deixando uma pergunta: “Não têm estudos que sustentem aqueles diplomas?” Pedro Soares conclui assim: “Continuamos à espera de que chegue a informação pedida.” Berta Cabral também questiona a falta de resposta – “nós pedimos os estudos preparatórios e todos os documentos que estão na base do processo de descentralização. O requerimento tem de ter uma resposta e têm de nos dizer se têm ou não os documentos que estamos a pedir”, acrescenta.
O requerimento enviado ao governo em junho pede, de facto, ao executivo que disponibilize, além dos anteprojetos dos 23 diplomas que concretizam a transferência de novas competências para as autarquias, os relatórios e os estudos preparatórios que estiveram na base das propostas de descentralização. E pede também que sejam identificados os “meios humanos, técnicos, financeiros e organizacionais” afetos às competências que o governo pretende transferir para o poder local, bem como a “identificação de carências” nos serviços a transferir. Um exemplo repetido pelos deputados: os assistentes operacionais das escolas vão passar para a alçada dos municípios e os parlamentares querem saber quantos são; os cen- tros de saúde vão passar para a esfera das câmaras e os deputados querem saber quantos são. O Parlamento solicita ao governo que apresente uma “perspetiva de evolução a curto e médio prazo” da descentralização, “estimando o impacto a nível humano, técnico, financeiro e organizacional”.
“Estas informações são absolutamente essenciais” para uma tomada de decisão, argumenta Paula Santos. Para a deputada comunista, é “fundamental” conhecer os meios humanos e técnicos a transferir. Caso contrário “não estaremos a falar de uma transferência de competências, mas de uma transferência de problemas, de encargos para as autarquias”. Também Álvaro Castello-Branco, do CDS, defende que os deputados “não estão neste momento habilitados, não têm informação suficiente para poder tomar decisões”. E não poupa nas críticas ao governo: “Há uma grande leviandade numa matéria tão importante, que muda o país”.
Na Assembleia da República está atualmente pendente para aprovação a lei-quadro da descentralização, uma espécie de lei-chapéu que dá cobertura às 23 propostas setoriais. Mas falta uma outra peça decisiva – a proposta de revisão da Lei das Finanças Locais. O anteprojeto do diploma já foi enviado à ANMP e à Anafre (freguesias), entidades que estão agora a discutir a proposta com o governo, mas não chegou aos deputados. “O processo está atrasado por causa do governo. Atrasou-se a entregar a lei-base, não entrega os estudos que foram pedidos, está atrasado na Lei das Finanças Locais. E nós não vamos ceder nisto. Queremos conhecer e analisar a Lei das Finanças Locais”, sublinha Berta Cabral. Sem isso não há acordo. E isto num contexto em que o PSD tem surgido como o parceiro preferencial do PS na descentralização, dado que quer o BE quer o PCP se têm mostrado muito reticentes às propostas do executivo.
No início desta semana, nas Jornadas Parlamentares do PS, o próprio primeiro-ministro desafiou o “conjunto dos partidos” a avançar para que o processo de descentralização – que o líder do executivo tem qualificado como “a grande reforma do Estado” – fique terminado até ao final da sessão legislativa. Ou seja, no máximo até julho. Evocando os elogios ao papel do poder local que se ouviram na última campanha autárquica, Costa deixou o repto: “Que honrem a sua palavra e na Assembleia da República deem mais competências às freguesias e aos municípios.” Um dia depois foi a vez de Eduardo Cabrita repetir o desafio, exortando os partidos a aprovar as leis da descentralização. Os visados devolvem. “São declarações um bocadinho vazias. Até agora não contribuíram nada para que o processo avançasse”, responde Pedro Soares.