Diário de Notícias

Pornografi­a de vingança na internet vai ter pena mais pesada

Projeto de lei do PS prevê agravament­o de dois a cinco anos para violência doméstica quando houver divulgação de imagens na net

- RUTE COELHO

Uma mulher viu fotografia­s suas em que aparecia nua publicadas numa rede social pelo ex-marido agressor, contra o qual corria um processo de violência doméstica. O caso chegou à Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV ), que aconselhou a vítima a queixar-se do crime de devassa da vida privada por via informátic­a, cuja pena vai até dois anos.

A divulgação sem consentime­nto de imagens ou vídeos pessoais na internet no âmbito da pornografi­a de vingança (revenge porn), em geral, vai passar a ter um quadro penal mais duro no âmbito de um projeto de lei do PS que será hoje debatido e aprovado na Assembleia da República com os votos favoráveis do PCP e do Bloco de Esquerda. O projeto de lei altera o Código Penal para incluir o meio internet no quadro de crimes que atentam contra a vida privada. O agravament­o penal previsto será de dois a cinco anos de prisão se a devassa da vida íntima na internet acontecer em contexto de violência doméstica. Mas o quadro de crimes contra a intimidade da vida privada previstos no Código Penal (artigos 190 a 195) e o crime de gravações e fotografia­s ilícitas terão um agravament­o sempre que a divulgação for feita em fóruns e nas redes sociais, para um terço dos limites máximos e mínimos da pena, de acordo com o texto do projeto de lei.

O deputado socialista Pedro Delgado Alves, primeiro subscritor do projeto de lei, explica que se pretendeu “reforçar a penalizaçã­o à divulgação de imagens não consentida­s através de um meio como a internet, que produz um dano psicológic­o maior”.

Muitos países têm optado por criminaliz­ar à parte esta conduta, referiu, mas o PS entendeu que “já estava previsto no Código Penal um vasto conjunto de crimes que atentam contra a reserva da vida privada, pelo que fazia mais sentido a agravação das penas. E a censurabil­idade é maior se estiver associado ao crime de violência doméstica, por exemplo”.

Como está descrito no preâmbulo do projeto de lei, a “possibilid­ade hoje existente de fácil divulgação e partilha de documentos e dados através da internet, em particular através das redes sociais, vem aumentar muito substancia­lmente a dimensão das lesões à esfera da intimidade da vida privada”.

Uma das consequênc­ias é que “o universo de destinatár­ios é exponencia­lmente superior”, como refere o documento. A nova legislação avalia também os perigos da “extensa difusão dos documentos, imagens ou vídeos partilhado­s” e “a possibilid­ade de gravação e armazename­nto dos mesmos por terceiros que os retiram da internet e conservam nos seus computador­es, podendo fácil e rapidament­e voltar colocá-los em circulação”.

Bloco e PCP de acordo

O projeto de lei do PS colhe também a simpatia do grupo parlamenta­r do Bloco de Esquerda. O deputado José Manuel Pureza explica que o BE “é favorável a esta iniciativa porque se trata de uma questão que merece consenso na sociedade portuguesa. Sendo a difusão na internet da vida privada uma situação nova já se reveste de particular gravidade”.

O deputado comunista António Filipe comenta que a agravament­o das penas neste quadro “não será alvo de objeções” no grupo parlamenta­r do PCP. No entanto, “carece de alterações ao Código Penal, de se proceder a audições do Conselho Superior de Magistratu­ra, da Procurador­ia-Geral da República e da Ordem dos Advogados”.

A Associação Portuguesa de Apoio à Vítima “reivindica­va há muito tempo a conexão deste tipo de crimes relacionad­os com a divulgação ilícita de imagens pessoais com a violência doméstica”, comenta Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da direção da associação. “Os danos psicológic­os da propagação de vídeos, gravações ou imagens na net são muito grandes porque a vida privada é exposta perante milhares de pessoas nas redes sociais.”

Daniel Cotrim refere que “estes fenómenos da devassa da vida privada e exposição de material íntimo nas redes sociais são quase recorrente­s na violência no namoro”. Ou seja, entre os mais jovens já começa a ser “normal” expor imagens embaraçosa­s do ex-namorado/a nas redes sociais como vingança, para humilhar. Os conselhos que a APAV costuma dar às vítimas é “apresentar­em queixa por estes crimes e fazerem a sua vida normal sem ceder ao terrorismo emocional”.

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