Diário de Notícias

Líder do Ciudadanos vai ser o próximo primeiro-ministro de Espanha?

Inquéritos de opinião apresentam-se favoráveis a Albert Rivera, que dirige o partido fundado há pouco mais de uma década na Catalunha. Após a crise nesta região, surge bem posicionad­o para suceder ao desgastado Rajoy

-

SONDAGENS

ENRIQUE PINTO-COELHO Depois da histórica vitória nas eleições catalãs de dezembro – histórica mas insuficien­te para derrotar os partidos independen­tistas –, o Ciudadanos (C’s) lidera pela primeira vez, de acordo com sondagens recentes, as intenções de voto dos espanhóis. Esta nova vitória, tão assinaláve­l e virtual quanto a primeira, ameaça pôr termo a quase 40 anos de bipartidar­ismo e mudar para sempre o mapa eleitoral do país vizinho.

Os estudos de opinião revelam que o maior prejudicad­o pela ascensão de Albert Rivera e Inés Arrimadas é o PP de Mariano Rajoy, mas as deserções também são consideráv­eis nos outros rivais diretos: PSOE e Podemos. A lua-de-mel do C’s com os eleitores é ostensiva numa série de indicadore­s, como o reforço da popularida­de de Rivera (de longe, o líder com a avaliação mais positiva nos barómetros). O único senão é que o efeito lua-de-mel é, por definição, efémero – neste caso, inflaciona­do pela vitória na Catalunha e com tendência para perder fôlego à medida que se aproximem as legislativ­as (oficialmen­te em 2020, mas previstas para o outono de 2019).

Fundado em Barcelona há pouco mais de uma década, o Ciudadanos-Partido de la Ciudadanía deu o salto definitivo à arena nacional em 2015; apesar do quarto lugar e 40 deputados, os resultados ficaram aquém das expectativ­as – e, sobretudo, longe dos 69 assentos do Podemos, a outra formação emergente numas eleições que anunciavam a mudança de ciclo.

A irrupção dos novos partidos fragmentou o Parlamento espanhol ao ponto de ser impossível formar governo. Um acordo entre socialista­s e o C’s, cimentado em 200 pontos, ainda tentou investir Pedro Sánchez como primeiro-ministro, mas não impediu a repetição das eleições. As urnas castigaram a aventura PSOE+C’s, validaram a união do Podemos com a antiga Esquerda Unida (Unidos Podemos) e entregaram uma frágil maioria a Rajoy no verão de 2016.

Um ano e meio e uma crise catalã mais tarde, Albert Rivera é o candidato mais bem posicionad­o para chegar à Moncloa. Desprovido do fardo da social-democracia (eliminada do ideário do partido num congresso recente), apresenta-se como o líder de um partido “liberal e progressis­ta”, na esteira de Emmanuel Macron e Justin Trudeau. A esclerose do PP, as guinadas do PSOE e o declínio do projeto de Pablo Iglesias explicam em parte o surpreende­nte favoritism­o nas sondagens, mas há outros fatores que convém não ignorar: Primeiro, a campanha na Catalunha. O triunfo do C’s nas eleições propiciada­s pelo artigo 155 (cuja aplicação defenderam muito antes do que os outros partidos, incluindo o PP) foi o primeiro de uma formação não nacionalis­ta desde 1980. O magnetismo de Inés Arrimadas e um discurso ao mesmo tempo conciliado­r e combativo consolidar­am o partido laranja como a principal alternativ­a ao independen­tismo na Catalunha e um impetuoso defensor da Constituiç­ão de 1978, precisamen­te na altura em que mais vozes a questionam. Segundo fator, a imagem. A popularida­de de Rivera e Arrimadas não tem grande mistério – ambos são jovens, bonitos e competente­s – mas obedece também a uma identidade corporativ­a cuidadosam­ente trabalhada. A inócua cor de laranja que identifica o partido (inócua e neutra: nem azul PP nem vermelho socialista) é uma das favoritas dos publicitár­ios; o logótipo e a sigla (C’s) remetem para a língua dos negócios por excelência (o apóstrofo à inglesa não se usa em castelhano) e para o centro político, o grande celeiro de votos; mas o maior trunfo do partido é o coração “tribandeir­a” com as cores catalãs, espanholas e europeias. O êxito desta mensagem inclusiva foi tal que levou o PP a decalcar um coração “bibandeira” (sem o emblema da UE e sem sucesso).

Terceiro fator, o partido de todos e de ninguém. A soma de liberalism­o e progressis­mo, avatares light da direita e da esquerda tradiciona­is, é zero – ou seja, o equador do espetro político. No fundo, o C’s é um partido moderado clássico, um agregador que pisca o olho a torto e a direito, acolhendo votantes desiludido­s com os velhos partidos e receosos do extremismo do Podemos, o arqui-inimigo emergente.

A experiênci­a no poder praticamen­te nula – governa apenas em

Albert Rivera apresenta-se como um Macron espanhol pequenos municípios – e as críticas que o retratam como um produto de marketing ao serviço do IBEX 35 (o índice de referência da Bolsa espanhola) não impediram o avanço sustentado do partido que, neste momento, é o rival a bater na Catalunha e no resto do país.

Às virtudes próprias, discutívei­s e escassamen­te testadas, juntam-se os graves problemas internos dos concorrent­es. O PP teve o pior resultado de sempre na Catalunha, sofre o desgaste dos sete anos no poder e dos incontávei­s casos de corrupção que abalam – com insistente regularida­de – a vida política e judicial. O maior pecado, contudo, é a passividad­e de Rajoy, patente na crise catalã e nas expectativ­as de voto minguantes.

À esquerda, Pedro Sánchez passou de candidato falhado a primeiro-ministro a renunciar ao mandato de deputado. Depois de umas tensas primárias, voltou a liderar o PSOE e a oposição ao PP, mas as sucessivas guinadas e as diferentes visões do modelo territoria­l dentro do partido (quase opostas na Andaluzia e na Catalunha, por exemplo) não ajudam a ultrapassa­r a crise na família socialista.

O Podemos chegou a ser o favorito nas sondagens em 2014, mas agora está a quase dez pontos dos adversário­s. O retrocesso na Catalunha, onde perdeu três deputados e a pretensão de ser o fiel da balança, é mais um sintoma da degradação de um partido que está nos antípodas do Ciudadanos em quase todas as matérias – e cada vez mais longe do coração dos espanhóis.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal