Diário de Notícias

Sobreiros e canções na cidade do Danúbio divulgam o festival alentejano e tem a Hungria como país convidado

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ANA SOUSA DIAS, em Budapeste Seis bolotas de Sines foram plantadas em Alcácer do Sal, tomaram o avião e aterraram na Hungria. São seis rebentos de sobreiro, juntos por enquanto num vaso, e foram oferecidos na sexta-feira ao Jardim Botânico de Budapeste. “Eu sou devedor à terra, a terra me está devendo/ A terra paga-me em vida/ Eu pago à terra em morrendo”, explicaram os Cantadores do Desassosse­go. Sobreiros e canções, as duas principais ofertas do Alentejo à cidade de Lizt.

Esta é a história de uma viagem que teve como objetivo apresentar a Budapeste o14.º Terras sem Sombra, o festival de música clássica que vai percorrer o Baixo Alentejo e subir até Elvas, de fevereiro a julho, com a Hungria como país convidado. O cartão-de-visita alentejano tem o nome de Grupo de Cantadores do Desassosse­go, 23 homens dos 22 aos 80 anos a soltar as vozes em qualquer lugar onde seja preciso ou simplesmen­te apeteça. Por exemplo, na fila de embarque no aeroporto, ainda em Lisboa. No avião. No meio de alguma rua. Na embaixada de Portugal. No autocarro. Na conferênci­a de imprensa de apresentaç­ão do festival, ao lado do piano de Béla Bartók. Na Academia Lizt, a pedido da guia, simplesmen­te para testar a espetacula­r acústica do auditório principal. Na sala de Lizt onde o compositor fazia audições. Nos restaurant­es. Na homenagem aos diplomatas Sampaio Garrido e Carlos Branquinho (texto ao lado). No barco de passeio onde se jantou, em pleno Danúbio.

Imaginemos a cidade de Béla Bartók, Lizt e Kodaly, com os seus castelos e palácios, as suas pontes sobre o Danúbio, no país onde o ensino da música começa logo no primeiro ano do ensino básico e muitas vezes vem do jardim-de-infância. É o país onde a música tradiciona­l nos pode ser apresentad­a por músicos com formação superior. E então imaginemos isto: uma rapariga e um rapaz húngaros no meio dos Cantadores do Desassosse­go a entoar – “Eu tinha quatro patinhos que vieram de Loulé.Vieram de lá p’ra cá, dançando o saricoté. Ó saricoté, ó saricolá.” Por uma vez, os alentejano­s moderaram as vozes para não abafarem a vozinha de soprano, meio tímida, da pequena cantora sorridente e tão bonita. E o inverso: todos cantando um tema húngaro, treinado previament­e com pautas, escrita fonética e gravações.

E que coro é este que vem da cidade de Beja e junta gente tão diversa? É o grupo criado há pouco mais de três anos e que roubou o nome à Galeria do Desassosse­go, de Jorge Benvinda, onde ensaiavam. O músico dos Virgem Suta fez parte do grupo inicialmen­te, mas teve de se afastar porque não conseguia conciliar as agendas. Hoje reúnem-se semanalmen­te no Centro Unesco criado em Beja, unidos pelo diapasão do mestre Francisco Torrão, grande especialis­ta do cante alentejano. Aí se juntam o sargento de cavalaria Olímpio José Carvoeira, o mais velho do grupo, com os seus 80 anos, o advogado Narciso Gaitinha, o chefe principal da PSP José Condeço, o jornalista do Diário do Alentejo José Serrano, ou o mais recente membro do grupo, José Diogo, 23 anos, monitor de cante alentejano em escolas – só Tiago, de 22, é mais novo do que ele. E o cantador insólito: o professor universitá­rio de Economia Jos Van Kesteren, holandês meio reformado que vive metade do ano em Beja, metade no país de origem.

Foi com esta banda sonora em permanênci­a, 23 homens sempre com comentário­s e respostas prontas, que a delegação do Baixo Alentejo percorreu Budapeste. No regresso, num voo noturno, talvez não tenham forças para gritar ao comandante da tripulação “Vai, Mexia! Nã te esqueças do trem de aterrage!”, como fizeram ao piloto que os levou à Hungria, cujo nome não passou despercebi­do – António Mexia. E já agora: foi a cantar “Salsa verde aos molhos” que eles testaram a acústica da sala decorada a ouro da Academia Lizt, diante do imponente órgão, para concluírem que sim senhor, a sala é mesmo boa. E sempre que tiveram oportunida­de recordaram a moda composta quando, a 27 de novembro de 2014, o cante alentejano foi classifica­do Património da Humanidade: “Mas que dia tão bonito, ninguém queria acreditar, o Alentejo é património, pelo seu lindo cantar.” Budapeste brindou-os com céu limpo e uma temperatur­a bem baixa, nada própria para gargantas quentes.

A delegação trazida pelo festival, encabeçada pelos seus principais responsáve­is – José António Falcão, diretor-geral, Juan Ángel Vela del Campo, diretor artístico, e Sara Fonseca, diretora executiva –, englobou uma centena de pessoas, e entre elas os presidente­s das câmaras de Beja, Vidigueira, Santiago do Cacém, Odemira e Sines, e um grupo de empresário­s, sobretudo do ramo alimentar, que tiveram em Buda-

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