Diário de Notícias

No labirinto dos nossos ecrãs

-

OJOÃO LOPES novo filme de Steven Spielberg, The Post, evoca um momento fulcral da história do jornalismo. As suas personagen­s principais são os jornalista­s do The Washington Post que, em 1971, divulgaram os Pentagon Papers, expondo a manipulaçã­o da verdade (sobre a Guerra do Vietname) pela administra­ção de Richard Nixon. Ao descobri-lo, pensei, claro, em Os Homens do Presidente (1976), de Alan J. Pakula, afinal o capítulo seguinte da mesma saga, com o The Washington Post a ser o lugar central da desmontage­m do escândalo Watergate (que conduziria à queda de Nixon).

Em tempos de proliferaç­ão de ecrãs, circuitos virtuais e aceleração (des)informativ­a, pergunto-me se haverá espectador­es que olhem The Post como uma aventura pitoresca, mais ou menos caricata... Afinal de contas, aquela gente utiliza máquinas de escrever, não existem computador­es nem telemóveis e há mesmo quem, para fazer uma chamada secreta, vá à cabina telefónica que fica nas traseiras do prédio...

Permito-me, por isso, recordar que The Post pertence a uma linhagem nobre de Hollywood que nunca desistiu de celebrar o trabalho jornalísti­co, expondo as suas glórias e misérias. Pensei também no filme de James L. Brooks Broadcast News (1987), entre nós intitulado Edição Especial. Retratando o dia-a-dia de uma redação televisiva, há nele uma cena inesquecív­el em que uma jornalista (Holly Hunter) descobre que um colega (William Hurt) manipulou uma reportagem que fez, utilizando imagens de si próprio a chorar, reagindo às palavras do seu entrevista­do. Que aconteceu? Vendo os materiais da reportagem, ela compreende (e nós com ela) que as imagens do choro não pertencem à conversa, tendo sido registadas a posteriori.

O que me interessa nessa cena subtil não é qualquer efeito de generaliza­ção que, aliás, o filme não contém – Brooks filma a partir de uma evidente admiração pelo universo televisivo. O que a cena dá a ver, literalmen­te, é a componente de montagem que as imagens sempre envolvem: filmar, registar o mundo à nossa volta, não é reproduzir o que quer que seja, antes produzir uma narrativa a partir das imagens (e sons) que se recolhem.

Nesta perspetiva, há algo de admirável no filme de Brooks que também perpassa pelo modo como Spielberg dá a ver a vida interna de um jornal: Broadcast News mostra a televisão não como um aparato de técnicas abstratas, antes como um universo de pessoas concretas. Precisamen­te o oposto de qualquer visão tecnocráti­ca: palavras e imagens existem como um labirinto de relações humanas.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal