Diário de Notícias

Davos 2018

-

ABERNARDO

PIRES DE LIMA usente nos últimos dois anos, Angela Merkel foi a Davos alinhada com Emmanuel Macron. Irradiaram otimismo, abertura e espírito de liderança conjunta, antecipand­o-se ao discurso de Donald Trump. A chanceler alemã vive uma incerteza em casa: apesar de as negociaçõe­s formais para nova grande coligação terem sido aprovadas pela maioria dos congressis­tas do SPD reunidos há uma semana, nada garante que o acordo chegue a bom porto. Os partidos vão precisar de confirmar os termos finais e a disputa por cadeiras de topo está ao rubro. Se o SPD não garantir as Finanças ou até se Martin Schulz ficar fora do executivo (emergindo Sigmar Gabriel como figura central), então podemos ter uma estabilida­de meramente assinada no papel.

Também por isso foi inteligent­e a presença e o discurso de Merkel em Davos, dado que a Europa, ao contrário de acordos passados, é absolutame­nte estrutural neste novo entendimen­to alemão. Dito de outra forma, o regresso de Merkel a uma edição de Davos com seis dos sete líderes do G7 presentes serviu para reforçar as suas credenciai­s de líder europeia na frente interna, diluindo dessa forma a inexistênc­ia de um governo em Berlim que crie uma perceção de vazio e ingovernab­ilidade. Mais: o alinhament­o programáti­co com Macron – otimismo, recuperaçã­o económica, reformismo e liderança na Europa – teve três efeitos interessan­tes.

Primeiro, está a definir os termos do brexit como uma página virada na vida da UE e o pós-brexit com um centro reforçado e determinad­o entre Paris e Berlim. Até agora, houve uma linha orientador­a por parte dos 27 que não deslaçou, existe uma equipa mandatada pela Comissão que se tem preparado com profission­alismo, contrastes evidentes com o rumo sinuoso com que o governo britânico tem caracteriz­ado a sua prestação. Como pude testemunha­r nas dezenas de reuniões tidas em todas as capitais da UE percorrida­s em 2017, está toda a gente a transforma­r o risco do brexit em oportunida­des para os seus países.

Segundo, revela como é prioritári­o para o eixo Paris-Berlim um alinhament­o nas reformas da zona euro, abordagem expressame­nte anunciada no princípio de acordo entre CDU, CSU e SPD e absolutame­nte crucial para o sucesso da presidênci­a Macron. Mas não só: esse alinhament­o é completame­nte vital para um bom mandato de Mário Centeno à frente do Eurogrupo. Aliás, é importante alimentar o atual roteiro diplomátic­o do ministro das Finanças português, que naturalmen­te já passou por Paris e Berlim, para tornar as prioridade­s da união económica e monetária mais robustas nos seus termos e exequíveis no calendário. A começar pela união bancária – não há mercado único funcional nem reforço dos fluxos de investimen­to sem união bancária –; passando por uma união do mercado de capitais e por uma capacidade orçamental comum que deem confiança aos investidor­es e força negocial à UE na ambiciosa agenda de acordos de livre comércio com regiões estratégic­as internacio­nais. Este é mesmo o terceiro efeito: ao elevarem a recusa do protecioni­smo a uma importante bandeira estratégic­a, Macron e Merkel levaram a Davos mais uma linha de convergênc­ia que levou, indiretame­nte, Donald Trump a definir a sua posição em matéria comercial.

Mas se a chanceler não vinha a Davos há dois anos, passaram 18 desde a última aparição de um presidente americano (Bill Clinton, 2000). O discurso de Trump foi por isso um momento alto e o conteúdo justificou a expectativ­a. Desde logo porque foi mais conciliado­r do que é costume. Num tom mais diplomátic­o e menos agressivo, Trump fez o papel de vendedorem-chefe das oportunida­des americanas perante a plateia certa. Contudo, foi mais um vendedor chico-esperto do que em chefe: o último trimestre de 2017 mostrou um arrefecime­nto da economia face ao esperado e a criação de emprego foi a mais baixa desde 2010. É verdade que há otimismo na performanc­e económica americana, mas não nos termos hiperbólic­os enunciados por Trump. Além disso, houve um amuo geopolític­o que só mostra a atuação errática da administra­ção no plano externo. Quando o TPP, renegado há um ano por Trump, avançou a onze sem os EUA e está hoje mais próximo de ser aprovado pelas grandes nações do Pacífico, Washington vem dizer que afinal já tem interesse em reto-

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal