Nações Unidas votam cessar-fogo na Síria com luz verde russa
Negociação foi prolongada e a votação da resolução foi adiada de sexta-feira para ontem. Número de mortos em Ghouta já ultrapassou o meio milhar
“Não queremos que nos deem comida nem água. Apenas que ponham fim a esta matança!”, dizia ontem um habitante do enclave cercado
O Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou por unanimidade um “cessar-fogo humanitário” por 30 dias em todo o território da Síria após dois dias de intensas negociações, em que pairou até ao início da noite de ontem a ameaça de veto da Rússia, um dos cinco membros permanentes daquele órgão.
“Este é um texto humanitário”, referiu após a votação o embaixador da Suécia, um dos países na origem do projeto de resolução. O propósito é o de “permitir a entrega regular de ajuda humanitária (...) e a retirada dos feridos e doentes em situação crítica”, disse o diplomata.
Estão excluídos do cessar-fogo grupos como o Estado Islâmico, a Frente Al Nusra e outros grupos islamitas “designados como terroristas pelo Conselho de Segurança”. Esta última frase resultou de uma exigência de Moscovo, o que permi- te operações militares das forças de Bashar al-Assad a qualquer grupo considerado “terrorista” por Damasco, notavam ontem as agências. Em contrapartida, foi recusada a inclusão de uma outra frase em que Moscovo pretendia que qualquer comboio humanitário, para ter acesso às áreas críticas, tivesse de ser aprovado pelo governo sírio.
A votação foi adiada sucessivas vezes ao longo de sexta-feira para permitir a continuação de negociações e também sucessivas alterações no texto, cujo projeto partiu do Koweit e da Suécia. A Rússia colocou objeções à duração do cessar-fogo e à definição do momento em que este entrará em vigor.
De um inicial “72 horas após a adoção da resolução” passou-se para um genérico “sem demora”, não se estabelecendo uma fronteira temporal para a cessação dos combates. O que favorece a estratégia do regime de Damasco e dos seus aliados russos e iranianos, em especial na região de Ghouta, situada na área da Grande Damasco.
Fica assim aberto caminho para a continuação das operações militares sobre as áreas de Ghouta controladas pelas milícias da oposição, nomeadamente os grupos Jaich al-Islam (salafistas) e Faylaq al-Rahmane (sunitas, parte do Exército Sírio Livre), e as forças de Assad. Estas intensificaram a ofensiva na noite de sexta-feira para sábado na tentativa de consolidar as posições ganhas nos últimos dias. Os ataques aéreos também foram redobrados durante a noite, de acordo com descrições feitas às agências por residentes na área. O caso de Ghouta é expressamente mencionado no texto da resolução como situação que deve mudar.
“Matança”
“Não podem imaginar o que está a suceder em Ghouta”, disse à AFP um desses residentes, Salem. “Centenas de civis estão a ser mortos pelas bombas sírias, russas e iranianas, à vista de todos”, prosseguiu Salem. “Não queremos que nos deem comida ou água. Apenas que ponham fim a esta matança!”, exclamou.
A operação sobre a região de Ghouta, último enclave nas mãos das milícias da oposição na área de Damasco, iniciou-se no passado dia 18 e segundo números divulgados ontem pelo Observatório Sírio dos Direitos do Homem (OSDH), ao completar-se uma semana sobre o início dos ataques a Ghouta, morreram mais de 500 civis, dos quais 123 crianças, registando-se ainda 2400 feridos, disse à AFP o diretor do OSDH, Rami Abdel Rahmane.
Toda a área de Ghouta está cercada pelas forças governamentais desde 2013, verificando-se uma crescente penúria de alimentos e de medicamentos. Nela vivem mais de 400 mil pessoas que o governo de Damasco considera estarem a ser usadas como escudos humanos pela oposição. Os diferentes grupos que controlam a região negam isso, mas a presença de organizações islamitas, como o Estado Islâmico e a Frente Al Nusra, sugerem que aquela utilização dos civis não é de todo inverosímil.
Desde o início da ofensiva, os grupos rebeldes têm ripostado com disparos de RPG sobre as áreas da capital síria em poder das forças governamentais. Segundo os media do regime, em consequência destes disparos terão morrido 20 pessoas.
As agências humanitárias da ONU presentes na Síria tinham pedido no passado dia 6 uma suspensão das hostilidades para permitir o encaminhamento de ajuda humanitária e de medicamentos para as áreas mais afetadas, na prática, a região de Ghouta onde se verificam os combates mais intensos, em paralelo com a operação do exército turco contra as milícias curdas na área de Efrin. Mas as negociações arrastavam-se até que o agravar da conjuntura na referida área de Damasco veio conferir nova urgência à aprovação da resolução.