Zêzere e Matias ajudam a salvar os burros mirandeses
A reprodução animal é o que faz mover o centro do Instituto Abel Salazar. Há ensino de Medicina Veterinária na vertente prática, investigação científica e serviços comerciais abertos à comunidade. Os cavalos dominam, mas os mais recentes residentes são bu
O Zêzere já tem 14 anos, enquanto o seu neto, o Matias, nasceu há apenas 18 meses. São dois burros-de-miranda que nas últimas semanas vivem no Centro de Reprodução Animal de Vairão (CRAV ), em Vila do Conde, onde os investigadores desta unidade do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) os preparam para a colheita de sémen com vista a testes para um futuro banco de germoplasma animal desta raça autóctone que corre o risco de extinção.
“Nunca vi bicho tão esperto”, diz António Rocha, diretor deste centro que funciona desde 2005 com o objetivo de proporcionar formação aos estudantes de MedicinaVeterinária do ICBAS e servir a comunidade com serviços comerciais de reprodução, com especial vocação para cavalos, embora os cães também sejam animais que esta unidade da Universidade do Porto aceita com regularidade. Não se fica por aqui, já que os bovinos são um foco natural entre outros, como é o caso destes dois burros de Miranda. Que não estão sós em Vairão. Está lá também a Formiga, uma fêmea da raça. “Comem feno, cenouras e têm a cama feita três vezes por dia”, brinca António Rocha.
O processo a seguir com os burros-de-miranda será idêntico ao de outros animais. Recolher sémen para congelar num banco de dados, o Banco Português de Germoplasma Animal, o que está a ser feito em conjunto com a Direção-Geral de Alimentação e Veterinária e a Associação para o Estudo e Proteção do Gado Asinino, entidade que mais tem lutado pela preservação desta raça (ver entrevista).
A funcionar numa antiga exploração leiteira da Direção Regional de Agricultura do Norte, o CRAV tem instalações que foram adaptadas e melhoradas para laborar como um centro clínico para animais de grande porte. Na cidade do Porto funciona o centro para pequenos animais. Em Vairão, os cavalos são a grande aposta. “Nenhum criador de bovinos leva uma vaca a um hospital. Esta região tem a maior concentração de bovinos leiteiros do país. Por isso esta zona foi escolhida. Aqui temos condições para receber animais grandes. Além disso, já havia veterinários na zona, e foram contratados alguns que nos prestam apoio na formação. Na relação com os agricultores e com a reprodução bovina são eles quem mais intervêm. Não há grande recurso ao centro porque a esse nível está tudo já muito avançado. Um técnico trata disso na exploração”, explica o professor catedrático que iniciou o seu percurso na veterinária em Moçambique, passou pelos Estados Unidos até se fixar no Porto, no curso do ICBAS e depois também como diretor deste centro.
“O princípio básico é que não se pode ensinar reprodução animal sem a prática. As universidades têm de prestar um serviço de referência ao público, e para isso é preciso ensinar o melhor”, considera António Rocha. No CRAV, a
de sémen para congelação, a inseminação artificial, diagnósticos de gestação ou recolha e transferência de embriões são alguns dos serviços ali prestados a criadores de animais, que servem em simultâneo de matéria prática para os futuros médico-veterinários e ainda para a investigação cientifica dos doutorados do ICBAS, toda ligada a aspetos clínicos.
Os cavalos “chegam de todo país, com muitos cavalos de desporto. Por exemplo, os criadores querem reproduzir um animal porque salta bem ou faz muito bem a dressage”. Por ano o CRAV recebe entre 40 e 70 éguas para reproduzir. “Algumas vêm repetidamente”, salienta o diretor. Nos garanhões são cerca de 15 por ano. Nos sete hectares do centro andam sempre cerca de duas dezenas de equídeos. O Imperador é o mais velho e conhece bem os cantos à casa. “É o único residente, está cá desde o início, oferecido por um criador. É um cavalo com 29 anos, já com problemas de articulação. Posso dizer que é o cavalo que mais veterinários formou em Portugal.”
Outra figura da casa é a Josefina, uma égua que nasceu, em 2014, por barriga de aluguer em Vairão, com transferência de embriões e a partir do sémen de um cavalo morto há três anos, um feito científico para este centro. “Hoje temos muito boa gente formada”, admite António Rocha, orgulhoso de poder dizer que “toda a gente que trabalha connosco em estágios está hoje 100% empregada”. De resto, há sempre estagiários, com lista de espera, e há vários estrangeiros que se candidatam.
Na formação, o CRAV recebe também professores estrangeiros para dar formação e António Rocha não dispensa uma visita anual à Texas A&M University, onde se doutorou e que vê como um dos expoentes mundiais na área da medicina animal. “Todos os anos vou lá saber as novidades.”
No CRAV o laboratório é pequeno e simples, mas “com o mais sofisticado que há”. Além dos espaços para os animais, há ainda dois quatros para quando é necessário passar lá a noite. “Quando fazemos inseminação de sémen congelado, é preciso ecografias de seis em seis horas.” E há a sala do manequim, em forma de égua, com uma vagina artificial para a recolha de sémen dos garanhões. Na sala há um pequeno espaço onde é colocada uma égua para o garanhão se excitar. Nem sempre é tão rápido como seria ideal. “O garanhão é muito show off quando vê uma égua com cio. Mas é preciso paciência e conhecer bem o comportamento do bicho.”
No grupo de estudantes que estava no CRAV as mulheres dominavam. “Quando acabei o curso era tudo macho man. Depois fui à Suécia e já vi setenta e tal por cento de mulheres. Agora em Portugal a medicina veterinária é uma profissão dominada pelas mulheres, embora não se reflita nos cargos de comando.” Rita, 22 anos, está no quinto ano de Medicina Veterinária e conrecolha fessa que não é particularmente uma entusiasta da área da reprodução nos animais de grande porte, mas sabe que é importante para a formação. “Desde pequenina que queria ser veterinária”, diz, enquanto Catarina, da mesma idade, não tem dúvidas de que “a prática é decisiva nesta área, fazer estágios é importante”.
Com elas está o professor Tiago Guimarães, um doutorado em Técnicas de Reprodução Assistida de Cavalos que centrou a sua investigação na otimização de técnicas de congelação de sémen. “Saber como diminuir as bactérias, há muitos antibióticos para limpar”, exemplifica o investigador que já trabalhou na Argentina e em França e está há oito anos no CRAV.
A reprodução de cães também é importante. “Não tem muita casuística, mas a reprodução assistida tem procura, sobretudo por criadores. Se o cão está a ficar velho e o criador quer preservar o material genético recorre ao centro”, diz António Lopes, apontando que Graça Lopes, doutorada do ICBAS em Ciências Veterinárias, é quem dirige esta área.