Diário de Notícias

Não se engane a si própria acerca do Citius, Sra. ministra

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QRICARDO

SIMÕES FERREIRA ue não existem sistemas informátic­os 100% seguros é daquelas verdades de La Palice que até fica mal dizer. Quando o equivalent­e é referido por um governante, tentando justificar a falha de um serviço do Estado, é um fatalismo que, no limite, pode até ser perigoso porquanto arrisca a fechar portas ao desenvolvi­mento de algo melhor.

Vem isto a propósito do sistema informátic­o da Justiça, o Citius, dos processos que envolvem o Benfica e o que disse a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, acerca das fugas de informação sobre processos em segredo de justiça.

“O Citius é um sistema absolutame­nte confiável, um sistema seguro”, declarouVa­n Dunem na terça-feira, 13 de março, defendendo que o importante nestes casos é conseguir saber se ocorre a “violação de deveres funcionais” por parte de alguns funcionári­os.

Três dias depois, na sexta-feira, um documento de 29 páginas com a investigaç­ão do DIAP ao assessor jurídico do Benfica Paulo Gonçalves estava escarrapac­hado num blogue para quem o quisesse ler...

A linha de argumentaç­ão do governo relativame­nte ao Citius fica bem sintetizad­a numa frase de um comunicado do Ministério da Justiça de 8 de março que garantia a segurança do sistema: “As medidas de segurança permitem a identifica­ção de potenciais situações de utilização fraudulent­a e de usurpação de identidade.”

Tresleia-se: não é preocupant­e que os dados sejam ilicitamen­te captados (e transmitid­os) desde que o mesmo permita saber quem o fez.

O que é, obviamente, um disparate pegado.

Van Dunem foi ainda mais longe: “Uma coisa são as questões relacionad­as com a segurança do sistema, e aí não temos dúvidas, outra coisa são, obviamente, comportame­ntos que podem revelar na perspetiva deontológi­ca, disciplina­r e até criminal, que tanto podem acontecer em ambiente digital como, segurament­e, acontecem em suporte físico, suporte de papel”. Só que uma coisa não é, de forma alguma, a outra.

Correndo o risco de cair na “la paliçada” que critiquei no início: o digital, pela sua natureza, é desmateria­lizado, facilmente copiável e infinitame­nte reproduzív­el. Algo que o papel simplesmen­te não é.

Independen­temente do que venha a resultar desta Operação e-Toupeira, ela já conseguiu trazer à luz a fragilidad­e de um sistema informátic­o nitidament­e incapaz de proteger eficazment­e os dados nela guardados.

Um sistema cujo acesso aos processos é feito sem autenticaç­ão de dois passos (basta uma palavra-chave, roubada, neste caso), fazendo que seja menos seguro do que um vulgar Gmail ou Outlook.com. Do qual (tanto quanto tem sido tornado público) são extraíveis documentos sem qualquer sistema de tracking – que permita rastrear o seu percurso através da rede informátic­a global. E que nem sequer possui um método automático para tentar confirmar a identidade do utilizador – através da geolocaliz­ação ou das horas do acesso, por exemplo, tal como faz o Facebook (que informa por e-mail cada login suspeito).

O governo – e por extensão o Estado – não é de facto a Google, a Microsoft ou o Facebook, um desses “gigantes da informátic­a” que criam numa hora mais código do que provavelme­nte o Instituto de Gestão Financeira e Equipament­os de Justiça (que gere as aplicações Citius e Habilus) escreve num mês. Mas nada o impede de “comprar fora”, por exemplo. Ou investir um pouco mais dentro.

Só que para isso era preciso ter em lugares de decisão alguém que percebesse a verdadeira dimensão do problema. E isso, em Portugal, é coisa rara.

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