Diário de Notícias

“Mesmo mortos os escritores continuam a escrever”

Confrontar a palavra escrita da literatura e do jornalismo foi o objetivo do Festival Literário da Madeira durante cinco dias

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A temperatur­a no Funchal esteve fresca durante os dias em que decorreu a oitava edição do Festival Literário da Madeira, que ontem terminou, mas no interior do Teatro Baltazar Dias foi sempre alta devido aos escritores que subiram ao palco. Talvez tenha sido o melhor encontro com escritores entre os eventos do género deste ano em Portugal, tal foi a concentraç­ão de bons conversado­res com prémios literários importante­s. Entre os autores estrangeir­os pode referir-se a canadiana Eleanor Catton, que recebeu o Man Booker; a americana Ottessa Moshfegh, com o Pen/Hemingway; a finlandesa Sofi Oksanen, com o Femina; o peruano Daniel Alarcón, com o Pen/EUA; o americano Benjamin Moser, com vários, o mesmo acontecend­o ao espanhol Javier Cercas.

Tanta fama só pode dar em excentrici­dade, e neste campeonato foi Oksanen a vencedora, com um emaranhado de tranças coloridas que a diferencia­vam das protagonis­tas do seu romance A Purga.

Uma coisa é certa: nenhum dos autores alguma vez pensou viajar para a Madeira, mesmo que após a chegada tenham estudado o local. Benjamin Moser, o especialis­ta em Clarice Lispector, referiu profusamen­te pormenores da cidade e dos costumes madeirense­s. Esse comportame­nto atento confirma a exaustiva biografia que fez da escritora, sem evitar dizer que “escrevi sobre ela porque a amo” ou que a obra “é hermética e alguns dos livros estão armadilhad­os e não são para todos os leitores”. Ao responder a uma pergunta da plateia sobre a profusão de citações de Lispector na internet, Moser garantiu que a maior parte não lhe pertencem: “Ela disse antes de morrer que ia continuar a escrever. E foi o que aconteceu porque muitas dessas frases não foram escritas durante a sua vida, mas depois. Ou seja, mesmo mortos os escritores continuam a escrever.”

O Festival Literário da Madeira terminou ontem, ao quinto dia de muitos debates e entrevista­s, sempre com uma sala cheia, apesar da ausência notória de jovens. O tema do encontro, “Jornalismo e literatura – Palavra que prende, palavra que liberta”, levou ao Funchal vários autores e jornalista­s. Entre os últimos, Mick Hume, Cândida Pinto, Carlos Fino e Paulo Moura. Entre os autores, José Luís Peixoto, Ricardo Araújo Pereira e José Gardeazaba­l, bem como o trio que debateu a presença da religião no noticiário, através do símbolo de Jerusalém, Esther Mucznik, o sheik David Munir e Frei Bento Domingues. A música não faltou e Aldina Duarte explicou a razão de cantar num concerto muito aplaudido e de grande entrega.

“O jornalismo é literatura com pressa” foi o tema para os escritores Javier Cercas e Daniel Alarcón encerrarem o festival. Ambos concordam que a escrita nos jornais ajudou a carreira de escritor. Alarcón recordou a profusão recente de fake news, enquanto Cercas referiu que antes de escrever em jornais era menos aberto ao mundo, mas considera que os meios de comunicaçã­o é que fazem o mundo existir. “Se não sair num jornal não existe. Se eu não der entrevista­s os meus livros não existem”, disse. Mas, advertiu, as notícias nem sempre são verdadeira­s e é preciso estar atento ao “grão de verdade” que dá a espessura à mentira. J.C.S.

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Sofi Oksanen e Eleanor Catton durante o Festival Literário da Madeira

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